sábado, 8 de abril de 2017

QUARTO CARNAVAL PÓS RENÚNCIA


Fevereiro de 2013. Era pleno Carnaval, festa dionisíaca por excelência, quando o mundo foi surpreendido com a notícia de que Sua Santidade, o Papa Bento XVI, havia tomado a ousada decisão de renunciar. Perante o Consistório, assembleia de cardeais por ele convocada, o Papa fez a solene declaração.

O Papa renunciou. Abdicou do anel de ouro, das vestes exuberantes, da solene chefia de Estado, do comando mundial da Igreja, dos reverentes cortejos de beija-mão, do orçamento bilionário, da pomposidade do trono de Pedro.

Nunca a assertiva profética de que o Autor Celestial insere sua escritura luminosa em pergaminhos obscuros foi tão verdadeira. Aqui, elegeu para protagonizar o ato pessoal mais desconcertante e revolucionário da Igreja nos últimos tempos exatamente um Papa que sempre exibiu o rótulo de conservador e reacionário.

Um pastor tido e havido como apegado ao poder pratica o gesto extremo de desapego...

Além de líder espiritual, o Papa é chefe de Estado, comandante maior de um poder terreno, temporal, secular. Renunciar ao Papado é, também, abrir mão de um império político e econômico.

O anúncio deixou estonteados tanto os que o admiram quanto os que o repulsam. A decisão de renunciar soou não como um ato de covardia, mas de coragem. Indiscutivelmente, um voluntário gesto libertário!

Pois é o apego, sobretudo o apego ao poder que nos torna presas fáceis e nos impede de seguir a trilha da liberdade!

Lembra sobre como se pega macaco na Índia?

Lá, toma-se um coco grande e nele se faz um buraco de tal forma que só entre a mão do macaco com certo aperto. Amarra-se o coco num tronco e lá dentro do coco se colocam torrões de açúcar para atrair o bicho. O macaco mete a mão e agarra o torrão de açúcar. Tenta retirar a mão e já não pode mais porque não quer largar o torrão. Pelo apego, é facilmente apanhado.

Segundo os Budistas, o desapego é essencial para o caminho da iluminação.

Há uma famosa história zen que é muito elucidativa disso. Um mestre e seu discípulo estavam a caminho da aldeia vizinha quando chegaram a um rio caudaloso e viram, na margem, uma bela moça tentando atravessá-lo. O mestre zen ofereceu-lhe ajuda e, erguendo-a nos braços, levou-a até a outra margem. E depois cada qual seguiu seu caminho. Mas o discípulo ficou bastante perturbado, pois o mestre sempre lhe ensinara que um monge nunca deve se aproximar de uma mulher, nunca deve tocar uma mulher. O discípulo pensou e repensou o assunto; por fim, ao voltarem para o templo, não conseguiu mais se conter e disse ao mestre:

— Mestre, o senhor me ensina dia após dia a nunca tocar uma mulher e, apesar disso, o senhor pegou aquela bela moça nos braços e atravessou o rio com ela.

— Tolo – respondeu o mestre – Eu deixei a moça na outra margem do rio. Você ainda a está carregando.

O apego é escravizador; o desapego, libertador!

O apego transforma a nossa existência em uma imensa cisterna abandonada, sem circulação vital, com a energia parada.

A água parada é um exemplo nítido dos efeitos do apego: cria substâncias lodosas, bactérias, contaminação. Por isso muitas pessoas resistem em descer aos porões de casas antigas: a energia ali estagnada incomoda.

A vida é pulsação constante, troca energética, circulação de afeto, mudança de padrões, renovação permanente.

O desapego libera a cristalina e generosa água corrente da vida! Pratiquemo-lo!

(Júnior Bonfim, Carnaval de 2017)

PADRE HELÊNIO


A cultura grega, dita Helênica, sempre foi uma olaria de esplendor e um farol referenciador para as demais civilizações. A partir da combinação entre solenidade e profundidade, ética e estética, nobreza e beleza, os gregos erigiram monumentos à virtude e edifícios ao humanismo assentados nas colunas do equilíbrio, da harmonia, da ordem e da moderação.

O estuário simbólico lapidado pelos gregos – o panteão mitológico, o encadeamento arquitetônico, o exercício compreensivo da polis e o manancial filosófico – tinha uma razão e um sentido, um leito a ser percorrido e uma foz a ser atingida: o enobrecimento da humanidade.

Tivemos, entre nós, até o último 17 de janeiro, um varão que encarnava a Cultura Helênica. Aliás, era Helênico até no nome: José Helênio Oliveira Pereira. E o nome diz muito sobre ele. José, nome bíblico, que auspiciou o pai de Jesus, significa “aquele que acrescenta”. Helênio, de Helênico, do grego hellenizein – quer dizer ‘viver como os gregos’. Oliveira (em hebraico zayit, que significa oliveira, azeitona), é uma árvore de profundo significado espiritual. As oliveiras, que rodeiam as montanhas na Galileia, Judeia e Samaria, são constantemente citadas nas Sacras Escrituras, inclusive no Evangelho, que menciona o Cristo no “Monte das Oliveiras”. Pereira, originalmente “árvore que produz peras” e, entre nós, madeira de boa qualidade.

O Padre Helênio absorveu os pontos cardeais do antropônimo. Como um bom José, acrescentou e muito, pois poeta, aprendeu que ‘o amor reparte, mas sobretudo acrescenta’. Helênio cultuou a cidadania plena, como os gregos da antiguidade, que beberam no nascedouro da democracia. Este Oliveira, assim como a árvore do mesmo nome, que cresce e vive bem sob qualquer solo, mesmo pobre e seco, brindou o mundo com o azeite da fecundidade. Era um legítimo Pereira, tronco que se fez piano nos templos da Diocese de Crateús, produzindo litúrgicos hinos de amor.

O decano da Diocese do Senhor do Bonfim cantou ou chorou inicialmente sob a brisa do rio Acaraú, na cidade de Cariré, no dia 15 de abril de 1929. Era fino nos modos e nobre nos pensamentos. Apreciava a Boa Nova, da qual se fez Mensageiro, e adorava compor partituras poéticas. Recebeu a unção sacerdotal do bispo-conde de Sobral, D. José Tupinambá da Frota, no abençoado dia 08 de dezembro de 1953.

Padre, após uma rápida passagem pela paróquia de Senador Sá, foi arrastado da ribeira do Acaraú para a ribeira do Poty, na qual se hospedou por toda a existência terrena.

Com a visão dilatada e a sensibilidade convivencial dos grandes homens, nadou com habilidade em meio às correntezas e os redemoinhos ideológicos do período inicial mais crítico da Diocese de Crateús. Afastou as ondas tempestuosas e as turbulentas intempéries segurando o cajado da serenidade.

Guardo dele um episódio fraterno, um diálogo afável. Era o dia 11 de setembro de 1985. Estávamos na calçada do Palácio Episcopal e mirávamos as torres da Catedral. Após um momento de silenciosa contemplação, iniciamos uma fala sobre a invisível catedral da poesia. Indagou-me se eu estimava uma moldura especial de poema, constituído de dois quartetos e dois tercetos, denominado Soneto. Disse que sim. (Soneto, para mim, é uma gaiola dentro da qual o pássaro é desafiado a cantar a liberdade do voo). E ele me instigou: - vamos compor um soneto às torres da Catedral?! Concordei. E ele disse: vou iniciar com a primeira estrofe e você continua... Ei-lo:

“Olho no além, vejo distante
Duas torres brancas apontando os céus
Braços erguidos numa prece a Deus
Sentinela altiva de um Povo Orante!

Oh! torres brancas, de almas puras,
Formosas e eretas, como palmeiras
Desta cidade, de verdes cabeleiras
Apalpais sonhos e arquiteturas!

Olho aqui perto, miro com emoção
Se despetalando em luta luminosa
Um pequeno povo que ama a Canção!

Saberá alguém dos segredos da rosa,
Ou o que, na meditação silenciosa,
As brancas torres têm no coração?!!!”

Pulsante e imóvel, tal qual a muda sonoridade da inventividade, dormita, no sacrário da minha memória, aquele instante fecundo, como a fotografia de um relâmpago de criatividade. Jamais olvidarei aquele dia, o dia em que tive, de um sacerdote, a resoluta parceria para abençoar o pão e vinho da poesia!

(Júnior Bonfim, janeiro 2017)

CANYON DO RIO POTY


Janeiro marca o natalício de Luis Carlos Prestes. Janeiro, precisamente o seu décimo quinto dia de 1926, registra o momento em que a terra apadrinhada pelo Senhor do Bonfim galgou destaque por ter sido palco do único combate das forças revolucionárias. O padre Geraldinho pontua em uma de suas obras sobre a passagem da Coluna através do Ceará: Frutuoso Lins, jovem em janeiro de 1926, narrou que quando o relógio bateu 3h “reboou uma saraivada de rifles e fuzis”. Lins explicou que João Calixto, guarda da Estação, revelou a euforia dos revolucionários no local: “Entre 4 e 5 horas da manhã, corriam eles pelas calçadas cantando ‘Mulher rendeira’ e gritando ‘Queima Chicuta’ e batiam com o coice do rifle nas portas da Estação”.

A saga da Coluna Prestes, com seus arroubos equivocados e seus rumos certeiros, teve em Crateús um de seus palcos privilegiados.

Estes dias, enquanto me recordava desse movimento revolucionário, vi passar na TV um spot sobre um acidente geográfico que assinala a divisa do Ceará com o Piauí em terras crateuenses: o Cânion do Rio Poty.

No início da década passada, o jovem Luis Carlos Prestes Filho resolveu fazer o mesmo percurso da Coluna que seu pai, o lendário ‘Cavaleiro da Esperança’, havia trilhado na liderança da famosa Coluna Prestes.

Relembro-me que um dia, em Crateús, ele externou: uma das paisagens mais belas que tinha encontrado naquele longo trajeto era o Cânion do Rio Poty.

O Cânion do Poty é umas das feições naturais da área limítrofe do Ceará com o Piauí, em áreas de Crateús, Buriti dos Montes e Castelo do Piauí. Fenda geológica por onde passa o rio Poty ao atravessar a cadeia montanhosa da Ibiapaba entre o Ceará e o Piauí, o Cânion foi formado pela erosão mecânica que as águas do Rio Poty proporcionaram ao cortar os sedimentos da Formação Cabeças, depositada no período Devoniano durante a Era Paleozóica, há cerca de 400 milhões de anos atrás.

Aparentemente o Rio Poty estabeleceu seu leito natural aproveitando uma falha tectônica conhecida como Lineamento Transbrasiliano, que corta o Brasil desde Sobral até o Mato Grosso. O rio corta o sistema de serras da Ibiapaba e no trecho entre a Cachoeira da Lembrada e o Canyon da Pedalta é onde se estabelece o Canyon do Rio Poty, embora ele apresente-se escarpado também por outros trechos até sua foz em Teresina.

Anteriormente chamado de Itaim-Açu, há registros de que na carta geográfica de Henrique Antonio Gallucio de 1760 (dois anos após a instalação da capitania do Piauí), já estava denominado Poty.

O melhor período para visitação é depois das chuvas, entre julho e dezembro. O local é indicado para prática de esportes de aventura como Rapel, Canoagem, ciclismo e trekking,

Como inexiste qualquer empreendimento, público ou privado, que sirva de apoio ao turista ou visitante nos dias atuais, resta-nos aguardar que algum empreendedor se disponha a investir naquela área fantástica, com paredões que alcançam 60 metros de altura, pleno de cavernas, pinturas rupestres e abrigos naturais, lindos para uma prazerosa apreciação.

Oxalá as autoridades despertem para o enorme potencial turístico rural e ecológico que o nosso Cânion representa e para ele desenvolvam projetos, oportunizando a divulgação de uma das formações geológicas mais extraordinárias que temos.

(Júnior Bonfim, janeiro de 2017)

EXTINGUIR O TCM?!


Abril de 1893. Floriano Peixoto, Presidente da República, determinou que seu Ministro da Viação, Limpo de Abreu, nomeasse um irmão de Deodoro da Fonseca e fixou a quantia a ser paga. O novel Tribunal de Contas, reputando ilegal o ato, ante a ausência de dotação orçamentária, negou–lhe o registro. Inconformado, Floriano disse:

- “São coisas do meu amigo Ministro da Fazenda, que criou um Tribunal superior a mim. Precisamos reformá-lo”.

- “Não!” replicou o Ministro da Fazenda, Serzedelo Corrêa. “Superior a Vossa Excelência, não. Quando Vossa Excelência está dentro da lei e da Constituição, o Tribunal cumpre as suas ordens. Quando Vossa Excelência está fora da lei e da Constituição, o Tribunal lhe é superior. Reformá-lo, não podemos”. Após o episódio, o Ministro deixou o cargo.

Ao assistir, estupefato, as notícias sobre a proposta de emenda constitucional que visa extinguir o Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, lembrei do episódio acima. Parece que as Cortes de Contas, como os demais organismos de fiscalização e controle dos negócios públicos, nasceram com a missão excelsa de enfrentar adversidades provenientes da ira dos poderosos de plantão, posto que um dos mais basilares fundamentos das nações civilizadas, a reverência aos ditames legais, constitui miragem para as nossas novas gerações, que ainda presenciam ‘a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que é subtraída, em tenebrosas transações’ ...

Ao elencar as justificativas para a criação da primeira Corte de Contas em nosso País, o mestre Rui Barbosa assinalou: “Convém levantar, entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura, e intervindo na administração, seja não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias, por um veto oportuno aos atos do Executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha rigorosa das leis de finanças."

Nessa esteira, o ex-Ministro do STF José de Castro Nunes – que, se entre nós, celebraria 134 anos de nascimento no próximo dia 22 de dezembro de 2016, proclamou: “As Cortes de Contas não são delegações do Parlamento, são órgãos autônomos e independentes. Mas existem em função da atribuição política dos Parlamentos no exame das contas de cada exercício financeiro.”

Ambos viram ratificadas suas opiniões pelo magistério de Celso Antônio Bandeira de Melo:

“Tem-se, pois, que embora o Texto Constitucional nos afirme, no artigo 6º, que são Poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, o certo é que, paralelamente a esses três conjuntos orgânicos, criou-se outro conjunto orgânico que não se aloja em nenhum dos três Poderes da República. Previu-se um órgão – o Tribunal de Contas – que não está estruturalmente, organicamente, albergado dentro desses três aparelhos em que se divide o exercício do Poder. Como o Texto Constitucional desdenhou designá-lo como Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma conclusão, a meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo.”

Eis, pois, a essência das Cortes de Contas.

Assento as premissas acima para opinar sobre essa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita na Assembleia Legislativa Cearense e visa a extinção do nosso TCM, sexagenária instituição com vultoso e vistoso álbum de atuação em todos os municípios da Terra da Luz.

Quais as razões aparentes que estão postas ou expostas à comunidade?

Segundo o autor, deputado Heitor Férrer, seria: gerar economia para os cofres públicos, evitar a politicagem no âmbito do Tribunal e que o estado tivesse apenas uma Corte de Contas, como a maioria dos estados da Federação.

Com todo respeito ao Parlamentar, nenhuma das alegações se sustenta em um debate mais demorado sobre a matéria.

O argumento da economia cai por terra quando a própria PEC prevê que as previsões orçamentárias de receitas e despesas apenas serão transferidas para o TCE. Ao reverso, ocorrerá um prejuízo: Conselheiros e Auditores do TCM ficarão em disponibilidade, percebendo todas as vantagens atuais. Ou seja, o Estado gastará quase R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) com servidores públicos altamente qualificados que permanecerão remunerados sem qualquer contrapartida de trabalho.

O enredo de que os cargos de Conselheiros do Tribunal são silos de sinecuras, privilegiadas moedas de troca politiqueira ou espaços de premiação para amigos dos governantes de plantão – pode ser enfrentado não com a eliminação do órgão, mas com a definição de critérios impessoais, como o Concurso de Provas e Títulos.

Por fim, a assertiva de que a maioria dos estados só possui um Tribunal de Contas, não pode ser usada como parâmetro para confortar o arrazoado em favor da eliminação do TCM/CE. A atuação fiscalizatória repartida que existe no Ceará produziu, em ambas as Cortes de Contas (TCM e TCE) expertises diferenciadas. Se, na balança da Justiça, há um prato pesando mais, indubitavelmente é o do TCM. (Advogo na seara eleitoral e, durante a eleição deste ano, por exemplo, não vi um processo sequer de contas públicas irregulares – com base artigo 1º, inciso I, alínea “g” da Lei da Ficha Limpa - oriundo do TCE. Todos, absolutamente todos, têm como fonte a extensa lista fornecida pelo TCM.). Logo, o acúmulo de experiência, a qualidade técnica e a habilidade pericial dos servidores do TCM permitem-nos afirmar que esse processo abrupto, açodado, irracional, à sorrelfa e de afogadilho há que ser estancado.

Extinguir um órgão quase secular como o TCM/CE, sem qualquer consulta popular, debate público ou audiência da sociedade civil organizada é alojar um projétil no coração da cidadania. Ergamo-nos contra esse vilipêndio!

(Júnior Bonfim, dezembro de 2016)

FIDEL!


Quando, pela vez inicial, senti o perfume do estrume, embriaguei-me com o aroma do nosso bioma e mirei a ferradura de serra que enfeita a minha terra, a extensão do nosso planeta se resumia, do ponto de vista geopolítico, a uma construção bipolar: de um lado, os Estados Unidos da América (EUA) e, do outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Esses dois países, que despontaram após a segunda guerra mundial como as maiores potências globais – o primeiro, expoente do capitalismo; o segundo, do comunismo - detinham a hegemonia e apresentavam grande influência política, econômica e militar sobre o conjunto dos humanos, interferindo nas relações políticas de todo o planeta.

Essa repartição do mundo em duas correntes distintas e antagônicas influenciou sobremaneira o modo de agir e de pensar das pessoas. Éramos, sem o saber ou compreender à época, seguidores de uma religião extinta: o maniqueísmo.

O Maniqueísmo foi uma doutrina inaugurada por um profeta persa denominado Maniqueu (Manes ou Mani, no original). Sua filosofia religiosa, sincrética e dualística, se resumia em dividir o mundo simplesmente entre Bom (= Deus), e Mau (= Diabo).

Essa maneira simplista e reducionista de ver as pessoas e o mundo contaminou irremediavelmente a humanidade no período bipolar. Essa conformação binária da existência se refletiu de maneira avassaladora sobre a política. Aos olhos da juventude, em especial, predominava a rotulação extremista: direita e esquerda. Direita, encarnação diabólica, reprodução das trevas; Esquerda, manifestação divina, explosão de luz.

Sob a crepitação das brasas da adolescência, não tive dificuldade em optar pelo segundo lado, que considerava mais justo. Nossa consciência vivia aparentemente mansa, pois cultuávamos aquilo que para nós eram verdades absolutas. Exaltávamos os dogmas, as definições que nos eram impostas pelos iluminados líderes e que nos cabia aceitar sem discussão. É como se, apegados a um dogma, estivéssemos tranquilos, à sombra de uma árvore colossal. Uma dessas ‘verdades absolutas’ era a de quem fosse de esquerda tinha sempre razão. Olvidávamos de pôr a mão na algibeira da razão, agíamos pelo combustível do impulso ou embalados pelas notas sedutoras da emoção.

Foi nessa atmosfera dominada pela passionalidade que surgiram cones e ícones da esquerda latino-americana, como o recém-falecido advogado Fidel Alejandro Castro Ruz, o Fidel Castro.

Para emitir minha modesta opinião sobre essa lenda e legenda cubana, relembro aquele que Carlos Drummond de Andrade nominou como o maior poeta do Brasil. Gerardo Melo Mourão disse que cultuava ideias, mas abominava ideologias. As ideologias escravizam; as ideias libertam.

Descobri que é possível nos libertarmos das colocações binárias de tipo maniqueísta. Logo, podemos admirar ou respeitar uma figura histórica, sem descurar de evidenciar seus equívocos.

Fidel Castro, no campo da Justiça Social, foi um líder revolucionário que animou a utopia de um País socialmente justo.

No terreno das liberdades públicas, infelizmente foi caudatário do autoritarismo, incapaz de conviver respeitosamente com quem divergia da sua compreensão de mundo. Injustificável, sob qualquer ângulo sério, sua gana pela perpetuação no poder.

Como bem descreveu um cubano radicado no Brasil, ele “foi um pai severo, que deu saúde e educação para os filhos, mas não lhes permitiu que trilhassem o próprio caminho”.

Foi, portanto, um ser contraditório: trágico e portentoso, avançado e reacionário. Aliás, como a maioria dos líderes gerados em nossa Latino-América...

(Júnior Bonfim, novembro de 2016)

A VIDA APÓS A VIDA!


Sempre no mês de novembro, ao derredor do dia em que celebramos os que deixaram o nosso convívio, direcionamos a nossa atenção para a mesma coisa: a estrutura física dos cemitérios – que popularmente alguns chamam de campos santos - o estado de conservação dos túmulos etc.

Raramente, ousamos reflexionar além disso; dificilmente, adentramos no âmago da questão: - Qual o sentido da existência? - Qual o verdadeiro significado da vida? - Por que resistimos à morte?

Os ocidentais temos muita dificuldades de tratar desse tema. Em que pese as vistosas conquistas que temos obtido na esfera tecnológica, ainda tratamos o tema da morte como um tabu. Ensinam-nos a negar a morte e a internalizar que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Vivemos a negá-la. (Para ser sincero, eu mesmo via de regra resisto em escrever sobre o assunto...).

É tão forte e arraigado este pré-conceito que falar da morte é considerado algo mórbido, e – pasmem! - corriqueiramente julgamos que a simples menção a ela pode atraí-la sobre nós.
Noutro extremo, há também quem encare a morte de maneira quase ingênua, frívola ou irracional: “se chega para todo mundo, não é nada demais. Vai chegar prá mim também. É absolutamente natural”. Ambas atitudes estão pouco próximas da com-preensão do verdadeiro significado da morte.

O professor Sogyal Rinpoche, que nasceu no Tibet e é um dos pioneiros na promoção do diálogo entre a Ciência e a Espiritualidade, leciona que “todas as tradições espirituais do mundo, inclusive, é claro, o cristianismo, dizem explicitamente que a morte não é um fim. Todas falam em algum tipo de vida futura, o que infunde em nossa vida atual um sentido sagrado. Mas, não obstante esses ensinamentos, a sociedade moderna é um deserto espiritual em que a maioria imagina que esta vida é tudo que existe. Sem qualquer fé autêntica numa vida futura, a maioria das pessoas vive toda a sua existência destituída de um sentido supremo”.

Segundo o mestre budista, são desastrosos os efeitos dessa atitude de negação da morte. Vão além da esfera individual, afetam o planeta inteiro.

Disso resultou o aço opressivo que pesa sobre nossos ombros: uma sociedade acorrentada por padrões comportamentais equivocados, que salpica de lama os valores mais sublimes do humanismo. Rendidas pela completa permissividade, as pessoas acham que obrigatoriamente têm que ser “modernas” (no sentido pejorativo do termo), cultuam uma rebeldia sem sentido, priorizam ser “sexy” desnudamento completo, em todos os sentidos, por dentro e por fora.

Disseminou-se uma falsa cultura de saúde total, em que padrão de beleza rima com excessiva magreza, que substituí a natural alegria pelo espectro da anorexia.

O resultado desse caldo insípido é um banquete surreal, no qual predomina um cardápio composto por dois ingredientes desprovidos de sedução: uma incontida decepção e uma crescente frustração.

Que estrada estamos a percorrer? Que farol poderá nos guiar? É difícil responder. Certo é que, se quisermos continuar, temos que urgentemente começar a mudar.

Como bem asseverou Charles Chaplin: “O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.

Supondo que esta vida é única, não desenvolvemos uma visão de longo prazo e, tomados pelo egoísmo, passamos a saquear o planeta em que vivemos para atingir nossas metas imediatas. E isso pode ser fatal no futuro.

Neste mês de novembro, em que celebramos o dia de finados (que deveria ter outro nome, pois finados diz respeito a falecido e encerra uma compreensão da morte com “fim” – o que não é o caso), alimentemos, como Raymond Moody, a forte e viva esperança de que há, de fato, uma “vida após a vida”.

(Júnior Bonfim, novembro de 2016)

A GRATIDÃO!


Outro dia fui mimoseado pelo amigo César com um vídeo de uma fala do Professor António Nóvoa, o renomado ex-reitor da Universidade de Lisboa, Portugal.

O conteúdo da prédica, visto em meio à turbulência cotidiana, me devolveu à enseada da paz mansa, abriu em minha alma o remanso de uma invisível e sossegada alegria.

A gravação nos convidava, a partir de São Tomás de Aquino, a revisitar o espaço sagrado, o habitat essencial, o apartamento único em que repousa o mais belo dos sentimentos humanos: a gratidão!

São Tomás de Aquino foi um das mais esplendorosas mentes que o ventre de uma mulher pôs no mundo: o santo mais sábio e o mais sábio dos santos. Sua vastíssima contribuição ao alargamento da inteligência humana é consenso entre os amigos do saber. Aliás, é dele a afirmação de que o estudo da sabedoria é o mais perfeito, sublime, proveitoso e alegre de todos os estudos humanos. “Feliz o homem que medita na sabedoria”. Vinculado à linguagem do povo, ensinava que saber vem de sabor e sábio é aquele que saboreia.

Apelidado de “boi mudo”, por conta de seu olhar vago, submerso em reflexões profundas e totalmente entregue ao silêncio, protagonizou algumas anedotas interessantes:

‘Consta que o tímido e bonachão Tomás debruçava-se, como sempre, em uma pilha de livros e escritos, sempre em produção frenética. Alguns monges se aproximam e decidem pregar uma peça no compenetrado monge:

– Tomás, Tomás! Veja! Um boi voando!

Tomás saltou da cadeira e, reclinado ao parapeito, vasculhou os céus em busca do boi, enquanto ao seu redor os outros monges explodiam numa gargalhada coletiva.
Surpreendido, o santo se explicou:

- “É que achei mais razoável um boi voar do que os monges mentirem.” E saiu rindo da situação, para vexame dos demais...

Mas, voltemos ao teor do vídeo com a fala do Professor Antonio Nóvoa, cuja reprodução compartilho abaixo e que, autoexplicativa, dispensa comentários:

“Se me derem mais dois minutos, explico-vos o que eu quero dizer com a palavra agradeço. Há uns meses atrás estava eu em Brasília a preparar a aula magna da Universidade de Brasília e vinha-me à cabeça que queria agradecer aos colegas brasileiros tudo o que me têm dado, e tem sido muito.

E vinha-me à cabeça o Tratado sobre Gratidão de São Tomás de Aquino. Todos aqui saberão que o Tratado da Gratidão de São Tomás de Aquino tem três níveis de gratidão: um nível superficial, um nível intermédio e um nível mais profundo.

(Na verdade, o usual é referir-se à questão sobre a gratidão da Suma Teológica; eu - como se vê ao lado, tomei a liberdade de chamá-la de Tratado).

O nível superficial é o nível do reconhecimento, do reconhecimento intelectual, do nível cerebral, do nível cognitivo do reconhecimento.

O segundo nível é o nível do agradecimento, do dar graças a alguém por aquilo que esse alguém fez por nós.

E o terceiro nível mais profundo do agradecimento é o nível do vínculo, é o nível do sentirmos vinculados e comprometidos com essas pessoas.

E de repente descobri uma coisa na qual eu nunca tinha pensado, que em inglês ou em alemão se agradece no nível mais superficial da gratidão. Quando se diz “thank you” ou quando se diz “zu danken” estamos a agradecer no plano intelectual.

Que na maior parte das outras línguas europeias, quando se agradece, agradece-se no nível intermediário da gratidão.

Quando se diz “merci” em francês, quer dizer dar uma mercê, dar uma graça. Eu dou-lhe uma mercê, estou-lhe grato, dou-lhe uma mercê por aquilo que me trouxe, por aquilo que me deu.

Ou “gracias” em espanhol, ou “grazie” em italiano. Dou-lhe uma graça por aquilo que me deu e é nesse sentido que eu lhe agradeço, é nesse sentido que eu lhe estou grato.

E que só em português, que eu conheço, que eu saiba, é que se agradece com o terceiro nível, o terceiro nível, o nível mais profundo do tratado da gratidão. Nós dizemos “obrigado”.

E obrigado quer dizer isso mesmo. Fico-vos obrigado. Fico obrigado perante vós.

Fico vinculado perante vós. Fico-vos comprometido a um diálogo, agradecendo-vos o vosso convite, agradecendo-vos a vossa atenção.

Fico obrigado, vinculado, a continuar este diálogo e a poder contribuir, na medida das minhas possibilidades, para os vossos projetos, para os vossos trabalhos, para as vossas reflexões, para o vosso diálogo. É esse diálogo que quero e é nesse preciso sentido que eu vos digo: MUITO OBRIGADO”
.

(Júnior Bonfim, outubro de 2016)

MANOEL VERAS OU A AMIZADE E SUA VIRTUOSA TRINDADE!


Como ocorre a germinação de uma amizade?

Imagino que, como os grandes fenômenos que transitam pelos leitos insondáveis dos mistérios, a amizade deve brotar de uma sintética trindade: semente, solo e sol. É esse trino congraçamento o responsável pelo espetáculo da fertilidade.

O vinho, a sedutora e sublime bebida, que o Cristo solenemente proclamou ser o seu próprio sangue, também é fruto de uma harmoniosa combinação triangular: semente, solo e sol. Da semente bem selecionada, a uva mais qualificada. O solo drenado é o mais adequado. E o sol... Ah! O sol precisa inclusive monitorar o tempo que necessita ficar recolhido atrás das nuvens...

A amizade é, ademais, um cálice sagrado. Quanto mais liturgicamente o ingerimos, mais nos transfiguramos e experienciamos o voo invisível rumo ao platô celestial da aurora humana.

Eu e o Manoel vimos ao sol a partir do mesmo solo, da mesma cama de argila situada à margem do rio Poty, que era palco de dança dos Karatiús, os mais festivos índios destas plagas.

Nascido aos 19 de setembro de 1956, Manoel Veras é um virginiano observador e entusiasmado, prático e trabalhador, modesto e inteligente, amigo sincero e bom companheiro.

Na rua em que um dia Frei Vidal da Penha fincou uma Cruz, símbolo feito do cruzamento de dois pedaços de madeira (o vertical indica o amor a Deus e o horizontal, o amor ao próximo), andamos as calçadas da infância e recolhemos a argamassa do edifício da existência.

Manoel, um Bezerra dito Veras, se fez pedra e cal no empreendimento de sua trajetória: a fiação de uma biografia escrita com estreladas sílabas de alegria. Fez-se homem de verdade, com três 'hs': é honrado, honesto e holístico!

Honrou pai e mãe, Expedito e Maria José; honra a mulher, Tania, tenaz e terna; honra os filhos, Renata e Renê, reprodutores do amor paternal.

A honestidade, que na tribo jurídica chamamos probidade, ou a capacidade de não fraudar, é um dos mais caros valores que este Veras conserva.

Principalmente depois que desenvolveu o saudável hábito de espiar os costumes de outros povos, Manoel virou um homem dado àquilo que os gregos chamam de ‘holos’, ou seja, procura ver as coisas por inteiro, compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade.

Por conta da incorporação dessas virtuoses, foi auspiciado com o óleo generoso das promissoras oportunidades.

A vida lhe sorriu muitas graças, dentre elas a de ser um dos nossos raros conterrâneos a servir sua gente ocupando assento nos três poderes: foi por seguidos mandatos representante do povo no Legislativo estadual; esteve no Poder Executivo como Secretário de Administração do Estado e, hoje, é Magistrado, Juiz, julgador das Contas Públicas Municipais.

Caro Manoel, cujo nome significa Deus Conosco, neste momento em que celebramos suas três décadas em dobro, não nos cabe outra coisa senão elevar o coração à Trindade Superior e cantar Gracias à la Vida!

Parabéns!

(Júnior Bonfim, 19 de setembro de 2016)

UMA SANTA DA ÍNDIA!


O mundo, sobretudo o católico, acompanhou exultante! O Papa Francisco (logo ele, um autêntico portador de boas novas) anunciou ao mundo, sob a forma de proclamação oficial perante mais de cem mil fiéis, aquilo que já sabíamos: a suave e espontânea santidade de Madre Tereza de Calcutá.

Sempre admirei as mulheres talentosas que, conservando a ímpar doçura maternal, exibem a fortaleza das descendentes de Eva. O útero da História é pródigo em exemplos: Cleópatra - uma das mulheres mais festejadas da história da humanidade – além de deslumbrante, era inteligente e culta, e sua notória esperteza manteve as fronteiras do seu reino; Joana D’Arc, jovem camponesa que vestiu a farda militar e foi protagonista de uma guerra que restabeleceu a dignidade francesa, além de ser queimada pela mesma Igreja que, séculos depois, reconheceu sua santidade; a catarinense Anita Garibaldi, combatente da Revolução Farroupilha, mulher muito à frente de seu tempo... A lista é, pois, numerosa...

Mas há uma mulher que, pela colossal história de vida, galgou um tipo tão superior de destaque que merece um registro todo especial. Antes do mais, foi considerada pelo então Secretário Geral das Nações Unidas, Pérez de Cuéllar, como “a mulher mais poderosa do mundo”.

Sem ter gerado um único filho, transformou-se, pela esplendorosa fé e pelo oceânico amor, na mãe mais fecunda do planeta.

Sobre ela, a diretora de uma revista feminina escreveu um chamativo artigo intitulado “UMA MULHER QUE NUNCA PASSARÁ DE MODA”. De início, afirmava: “Não é Cindy Crawford nem Cláudia Schiffer. Provavelmente, nunca entrou numa boutique, mas é uma das mulheres que marcam o passo à Humanidade e que deixarão um rasto indelével no século que termina. É muito possível que a preocupação pelo seu look não passe da água e do sabão, mas o seu olhar irradia uma força especial”.

A passarela por onde desfilou e exibiu seu glamour e sua beleza extraordinária foi o espaço onde reluzia a dor e a miséria mais comoventes, nos corredores desprezados dos aidéticos, nos esgotos onde se escondiam os vitimados pela lepra. Ruanda e Angola, Ulster e Biafra, a Etiópia e a Somália, o Harlem e o Bronx, o Tondo de Manila e o Líbano estão entre os palcos de sua vida. Diuturnamente, comendo de maneira frugal e dormindo apenas três horas diárias, em solene e incansável vigília de amor, operou sua missão sob o pálio do ‘ora et labora’.

Nascida em 26 de agosto de 1910, em Skoplje, um lugar entre a Albânia e a antiga Iugoslávia, atual República da Macedônia, construiu um verdadeiro império de amor e caridade. Hoje, seu legado é palpável em uma rede que conta com 4.500 religiosas trabalhando em cerca de 700 casas dedicadas a ajudar os mais desfavorecidos em mais de 130 países, inclusive no Brasil, espalhadas em albergues para adolescentes grávidas, cozinhas gratuitas para famintos e refúgios para pessoas sem lar.

No dia 5 de setembro de 1997, o coração dessa mulher iluminada parou de palpitar. Seu nome completo: Inês (Agnes) Gonscha Bojaxhiu, eternizada como Madre Teresa de Calcutá, a missionária do século XX. Em 19 de outubro de 2003, o Papa João Paulo II concluiu o último passo antes da canonização: o processo de beatificação! No domingo de 04 de setembro de 2016, o Papa Francisco a declarou oficialmente Santa!

Sua mensagem, estrela flamejante em defesa da vida, continua contundente:
- “O mundo que Deus nos deu é mais do que suficiente, segundo os cientistas e pesquisadores, para todos; existe riqueza mais que de sobra para todos. Só é questão de reparti-la bem, sem egoísmo. O aborto pode ser combatido mediante a adoção. Quem não quiser as crianças que vão nascer, que as dê a mim. Não rejeitarei uma só delas. Encontrarei uns pais para elas. Ninguém tem o direito de matar um ser humano que vai nascer: nem o pai, nem a mãe, nem o Estado, nem o médico. Ninguém. Nunca, jamais, em nenhum caso. Se todo o dinheiro que se gasta para matar fosse gasto em fazer que as pessoas vivessem, todos os seres humanos vivos e os que vêm ao mundo viveriam muito bem e muito felizes. Um país que permite o aborto é um país muito pobre, porque tem medo de uma criança, e o medo é sempre uma grande pobreza”.

Viva Santa Tereza de Calcutá!

(Júnior Bonfim, setembro de 2016)

11 DE AGOSTO: DIA DO ADVOGADO!


Narra a história que, há pouco mais de setecentos anos, na heráldica França, mais precisamente na região da Bretanha, viveu um ser iluminado que acumulou as funções de sacerdote, advogado e juiz. (Hoje pode nos soar estranho, mas naquele tempo isso era possível em virtude de não vigorar a atual estrita divisão social das funções).

Por conta de sua extrema sensibilidade social e fulgurante inteligência, galgou aura popular, prestígio comunitário e a reverência dos desvalidos da sociedade. Foi ele o fundador dessa veneranda Instituição que nos dias atuais chamamos Defensoria Pública.

Reza a lenda que um pobre, não possuindo dinheiro para comprar comida, aproximava-se diariamente, na hora do almoço, da janela da cozinha de um restaurante e, com o saboroso odor inalado, dava-se por satisfeito. Uma ocasião, o dono do restaurante o interpelou sobre o seu repetido e suspeito comportamento e, ouvindo a cândida explanação do miserável, exigiu dele pagamento como se ele tivesse de fato comido uma refeição. O causídico dos injustiçados assumiu a defesa do pobre e, no Tribunal, fez soar aos ouvidos do acusador as moedas que exigia, dizendo-lhe: "Considera-te pago com o som dessas moedas".

Esse operador do direito, batizado Ivo Hélory de Kermartin, que teve seu nome inscrito nos cânones da Igreja Católica como “Santo Ivo”, tornou-se o padroeiro dos advogados. Santo Ivo transformou sua existência terrena em um hino de louvor ao Reino dos Céus. Considerou a erudição que possuía um pergaminho musical para a elaboração das partituras mais profundas da humanidade: a Justiça e a Liberdade! Espargiu a sabedoria para fertilizar o terreno árido da arrogância, utilizou com habilidade os pratos da balança da deusa Thêmis, mirou de frente a imparcialidade e dilatou o espírito conciliador para desfazer as supostas inimizades que as contendas judiciais tendem a gerar. É ele o símbolo eminente, a bandeira excelsa, o estandarte imarcescível da atividade advocatícia.

O ordenamento jurídico brasileiro conferiu ao advogado o status constitucional de essencialidade à Justiça. O múnus que lhe foi conferido, para efeito de uma escorreita prestação jurisdicional, se assemelha ao do Juiz e ao do Promotor. A Lei assim estabelece, à inteligência do magistério estampado no artigo 6º da Lei 8.906/94: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Advogar é aceitar a unção sacramental do óleo da Justiça! É celebrar um matrimônio de amor com a Liberdade!

Jean Giradoux anunciou que “não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito. Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um jurista interpreta a verdade”.

Neste dia em que comemoramos a nossa data, cabe uma acurada reflexão sobre os desafios presentes e futuros. Enquanto categoria que se abriga sob o teto dessa Instituição chamada OAB, cabe-nos abrir a mente e o coração para compreender a razão maior da nossa militância classista: a solidificação das pilastras do Estado Democrático de Direito e o acendimento das tochas olímpicas das nossas prerrogativas.

Sonho com uma advocacia que enfrente com altivez os desafios contemporâneos. Sonho com uma advocacia que estabeleça pontes de intimidade com a consciência dos clientes, a fim de que caminhem pelas trilhas da legalidade e da justiça, tornando irrelevante a jurisdição contenciosa. Sonho com uma advocacia protagonista da vanguarda republicana, que subsidie os clientes no destemor a quaisquer institutos legais - como delação premiada, por exemplo.

Gestos ousados, atitudes corajosas. Mais do que nunca, os tempos atuais, em que os castelos de sonhos de velhas utopias ruíram, precisamos praticar ações que enobreçam e dignifiquem a mais bela das profissões.

(Júnior Bonfim, agosto de 2016)

PITACOS SOBRE A CIDADE


Amanheci com vontade de dar pitacos. Diversamente do que muitos possam imaginar, pitaco não é um palpite sem fundamento. É uma opinião. Em se tratando da coisa pública, ou sobre os rumos de uma cidade, a opinião pode ser emitida independente de solicitação.

Obviamente, estou pensando em uma urbe específica, mas pode servir para outras.

Dirijo estas palavras aos que se lançam à nobre tarefa de interpretar sonhos: os candidatos. Sim, candidato a cargo eletivo, representante do povo, líder popular não é senão um intérprete de sonhos, dos sonhos da coletividade.

Enquanto escrevo me vem à mente um personagem bíblico do Antigo Testamento: José, o filho de Jacó e Raquel, que ficou para a posteridade como José do Egito. Certamente um emblema em se tratando de revelação da essência daquilo que é só aparência.

Uma noite, o Faraó sonhou. Naquele transe onírico viu que sete vacas magras comiam sete vacas gordas e mesmo assim continuavam magras. Em busca de uma explicação, convocou todos os sacerdotes do Egito. Nenhum conseguiu. Apenas José, que estava preso, ofereceu uma interpretação convincente ao Faraó: o Egito passaria por sete anos de fartura e sete anos de seca, consecutivos.

Empolgado com a sua desenvoltura, o Faraó presenteia José com um anel de seu próprio dedo e o nomeia Adon do Egito, um cargo de expressão, tipo chanceler ou governador.
José, então, ordena que se construam celeiros para guardar a produção do Egito durante os anos de fartura. Nos sete anos de seca, José passou a vender os cereais dos celeiros reais a preço de ouro e conseguiu comprar para o Faraó quase a totalidade das terras do Alto Egito. O nome José significa “aquele que acrescenta”.

Bem representa os seus concidadãos aquele que, além de interpretar os signos das aspirações populares, se lhes acrescenta alguma coisa. E age. Semeia. Planta. Cuida. Colhe. E reparte. Como lembra Thiago de Mello, “é sonhar, mas cavalgando/ o sonho e inventando o chão/ para o sonho florescer”.

A primeira tarefa de um líder, preferencialmente um prefeito, é despertar a coletividade do seu município para a alteração cultural. Mudar a forma de raciocínio, transformar os nossos esquemas mentais. Libertarmo-nos dos grilhões que acorrentam a massa encefálica. A diferença que separa um município pobre de um rico, ou um estado ou um país, não é a idade, muito menos a quantidade de recursos naturais. A Índia é um país milenar e possui uma pobreza vultosa e aviltante. A Nova Zelândia é novíssima. E riquíssima também. A Suíça não produz um grão de cacau, mas vende o melhor chocolate do mundo.

Estudiosos revelam: a fronteira que separa países ricos e pobres se resume à observância de algumas formas de conduta essenciais: 1. A ética como princípio básico. 2. A integridade. 3. A responsabilidade. 4. O respeito às leis. 5. O respeito pelos direitos dos demais cidadãos. 6. O amor pelo trabalho. 7. O esforço para economizar e investir. 8. O desejo de superar. 9. A pontualidade.

A ética pode ser resumida em tratarmos os outros como desejamos ser tratados. Para isso, basta nos colocarmos no lugar do outro. Será que eu gostaria de ser tratado como estou tratando um servidor, um contribuinte, um cidadão comum? Estou sendo íntegro, responsável, respeitador das leis e dos direitos alheios?

Valorizo o amor ao trabalho ou premio apenas o meu grupo independente do mérito dos que o compõem? Combato a mendicância e o clientelismo? Priorizo projetos que incentivam a independência financeira? Ao invés de festejar a quantidade de pessoas recebendo bolsa-família, deveríamos comemorar sua diminuição. Quanto mais pessoas deixassem os programas de transferência de renda e adquirissem sua própria renda por meio de empreendimentos montados e gerenciados por elas, melhor. (Outro dia um amigo me perguntou: - Você já viu um japonês pedindo esmola? – Não, respondi. Ele completou: - Pois é porque eles desenvolveram a cultura do trabalho, essencial para o progresso.)

Se uma Prefeitura deliberar para gastar menos do que arrecada e for pontual no cumprimento dos compromissos já eliminará mais da metade dos seus problemas. O resto se resolve com o firme propósito da permanente superação.

Entendo que a campanha política é o espaço para se divulgar ideias; não intrigas. Planejar o futuro; não propagar futricas. Dissecar projetos; não denegrir pessoas. Sonho com isso. E esse sonho, convenhamos, de tão nítido dispensa interpretações.

(Júnior Bonfim, julho de 2016)

SÍMBOLOS PARA O ATUAL MOMENTO


Se pudesse, queria que, ao invés de um texto, destas letras brotassem mãos, mãos estendidas, mãos fraternais para lhes afagar com um abraço de amizade, oferecer-lhes o ósculo da paz e lançar as sementes de boas novas. Só isso!

Mas a magnitude deste momento, misto de uma imbricação de angústias conceituais com redescobertas de trilhas, nos impulsiona a compartilhar com vocês uma breve reflexão.

Como bem sabeis, o pontal simbólico é um estandarte que atravessou os séculos graças à auréola das significações que o acompanham. A linguagem simbólica visa tornar mais fácil o entendimento das mensagens.

Não por acaso Jesus, em sua peregrinação terrena, disse que falava por parábolas. Porque ficava incomodado com o fato de, nas suas prédicas, as multidões olharem e não enxergarem, ouvirem e não escutarem, apreenderem e não entenderem.

Para nós, os símbolos têm o significado que a etimologia original, do grego clássico, elucidou: sim (junto) e bailein (lançar). O sentido é lançar as coisas de tal modo que permaneçam juntas.

Pois bem. Como no universo do simbolismo nada ocorre por acaso, fico perquirindo por que somos protagonistas de um momento histórico tão carregado de pinhos e espinhos, de fortunas e infortúnios, de flores e dores, de astres e desastres!

O invisível bonde que nos transporta convida permanentemente para um ágape fraternal, a fim de nos banquetearmos saboreando as nossas raízes. Ou melhor, extrairmos a seiva dos nossos radicais e oferecermos um contributo frutífero às gerações presente e futura. Resgatarmos nosso passado heroico! Afinal, como nos ensinaram os latinos, ‘Historia magistra vitae est’, ou seja, “a história é a mestra da vida”.

Com efeito, é hora de lembrarmos que a nossa existência constitui um ritual de passagem, do qual devemos recolher e internalizar as lições emanadas do forno da sabedoria dos nossos antepassados. Observarmos o córrego que banhou os grandes mestres do território complexo das ciências, os que bailaram no emaranhado fonético do salão das letras, os que percorreram o jardim florido das artes.

Permitam-me salientar três exemplos que povoam as enciclopédias universais.

Cito Benjamim Franklin, elétrico patriarca das Américas, inventor contumaz, criador do para-raios, dos óculos bifocais, dentre inúmeras outras criações da sua mente prodigiosa. É exemplo de humano empreendedor.

A história registra o caso, por exemplo, de uma mulher, doente mental, casada com um homem desequilibrado em todos os sentidos. Alcoólatra e desocupado, estava longe de ser pai modelar ou marido referencial. Esse casal, no entanto, teve quatro filhos: o primeiro, doente mental; o segundo, paralítico; o terceiro, acometido de outra enfermidade séria; o quarto também deficiente. Mesmo com todo esse histórico de tragédia, a mulher estava grávida pela quinta vez. E esse quinto filho, que tudo apontaria para ter também uma vida desventurada, foi Ludwig Van Beethoven, um dos maiores gênios musicais da humanidade. Varão das artes. Gênio perpétuo e inolvidável.

Outro, no campo das letras, foi François-Marie Arouet, o francês Voltaire. Incondicional amante da liberdade, foi advogado dos oprimidos e escritor magnífico. Deixou frases insuperáveis em defesa da liberdade de opinião, como essa: “Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la.”

É disso que estamos precisando: para um País abatido por sucessivas tormentas ao longo de seus anos, a aura empreendedora de um Benjamin Franklin; para uma Pátria abalada por solavancos de temor quanto ao futuro, a audácia do exemplo de um Beethoven; para um Povo que se engalfinha em discussões estéreis, que tem dificuldade de conviver com a opinião alheia, que enxerga no pensamento divergente uma razão para se render à inutilidade da cólera e alimentar uma irracional divisão interna, o exemplo libertário de um Voltaire.

É disso que precisamos. Este o nosso desafio: estarmos à altura do que nos cobra este momento histórico. Que sejamos instrumentos dessa força revolucionária, capaz de sacudir as frágeis colunas dos nossos egoísmos e nos fazer enxergar o universo mágico da verdadeira vida, da existência que importa.

Enfim, queria que deste texto pudessem emergir mãos, mãos de labor e luz, que segurassem a trolha aplainadora das diferenças e nos convocassem para a magnifica e magnânima prática da tolerância e do amor!

(Júnior Bonfim, junho de 2016)