sábado, 13 de maio de 2017

DIDEUS SALES – POETA DE TERRA E LUZ!

As águas de abril nos trouxeram Dideus Sales, um poeta de terra e luz nascido no segundo dia do quarto mês do ano. O poeta da emoção, que realizou a façanha de unir mar e sertão, é um confeccionador de asas poéticas em formato de flor e companheiro de lavra no roçado civilizatório do amor! Quando o calendário avisa que é o seu aniversário, os amigos são silenciosa e invisivelmente convocados para a celebração vital. Este ano, não sem resmungos lamentosos, não saboreie a fruta da amizade comemorativa. É uma doce rotina, como rotina também é o momento em que nos abre um novo livro, cuja soma JÁ ultrapassa mais de duas dezenas. É... Rotina... Porém, a retina da rotina não há que ter necessariamente um veio pejorativo. Pois, tudo é rotina. Em defesa da repetição, ou da rotina, Gerardo Mello Mourão proclamou que “só há uma forma boa de gerar um ser novo no ventre de uma fêmea: repetir o ato imemorial de Adão em cima de Eva, com um movimento entre a cintura e as ancas. O resto é inseminação artificial. A repetição gera o novo.”

Nesses últimos tempos tenho me interrogado a respeito da aura que circunda a poesia. O que vem a ser esse cantante, encantado e encantador fenômeno? Parece-me que Poesia é tudo aquilo que nos torna essencialmente mais humanos, nos aprofunda no humanismo ao ponto de nos aproximar do divino. A poesia é a divinização do humano. Nessa esteira, o primeiro e maior poeta é Deus, que com seu sopro mágico desenhou o universo, a magnitude da natureza, a comunidade dos seres vivos. Nessa trilha, todos somos ou podemos ser poetas. Os que desenvolvem a arte de concatenar os fonemas musicais, as obras arquitetônicas das estrofes arrebatadoras nada mais são do que sonoros instrumentos que o Poeta original distinguiu com a missão de apontar, como guias abençoados, as trilhas de Orfeu. Por isso que o amazônico Thiago de Mello proclamou: Não somos melhores nem piores. Somos iguais. Melhor é a nossa causa.

Em meio às notícias desairosas sobre a aridez de lideranças, ao deserto de nomes emblemáticos, relembramos com reverência um poeta que se fez líder global, herói maiúsculo, libertador singular, gênio da paz: Nelson Mandela!

O Dragão do Mar Africano, sem escrever poesias, foi um poeta militante, que na solidão da masmorra, na escuridão do cárcere, repetia um mantra: Não importa quão estreito o portão/ Quão repleta de castigo a sentença, / Eu sou o senhor de meu destino/ Eu sou o capitão de minha alma.

Mandela carregava na sua jangada existencial a lanterna da poesia. Senhor do destino, capitão da alma, general do coração e soldado da consciência, colonizou projetos pessoais e grupais e delineou um projeto de sociedade em que os seres não estavam apartados pela cor da pele, em que um governante não precisava demonizar o passado, em que os homens pudessem compartilhar civilizadamente o mesmo espaço social.

Quando dispunha do pescoço dos algozes e dele esperaram as correntes da vingança, estendeu a cadeira da reconciliação e ofereceu o banquete da paz. Quando lhe franquearam a continuidade no poder, lançou o manifesto do desapego. Era um homem superior, sintonizado com a melodia celeste. Como político, atuou não em função de uma parte ou de um partido, mas com uma invulgar compreensão de totalidade.

Era um homem, do ponto de vista ético, da melhor estatura, com visão de Estado. Um verdadeiro estadista. Poeta é, pois, todo aquele que se dispõe a romper os grilhões dos formalismos estéreis, das convenções descabidas, dos debates inúteis, do cotidiano infrutífero, da pusilanimidade dominante.

Poeta é aquele que, em qualquer barco de sonho, ultrapassa as ondas da superfície e alcança o espaço tranqüilo das águas profundas do oceano da vida. Dideus merece ser festejado porque é um desses desassombrados padeiros da massa poética.

Mello Mourão dizia que o poeta tem que ser assim: essencialmente poeta. De resto, tinha razão Rilke: cantar é ser. Às vezes somos forçados a fazer outras coisas na vida. Gerardo confessa ter tido a necessidade de exercer atividades as mais díspares na vida, como a política partidária e outras aventuras. Mas considerava tudo isso "adultério" à sua musa permanente, a poesia.

Dideus luta incessantemente para guardar fidelidade à poesia. Comete, vez por outra, alguns adultérios: ora edita uma Revista, ora se embrenha na produção rural, ora se entrega à intimidade de um microfone de rádio.

Todos esses ‘pulos de cerca’ são perdoáveis, porque ele é um incorrigível amante da poesia. E está sempre renovando esse matrimonio sagrado. O seu livro Poemas Telúricos é um delicado registro cartorial da renovação desses votos de amor. Telúrico vem de terra. Por isso fiz questão de consignar que a lírica desse fraterno filho da argila tem a altivez das carnaúbas, o perfume do mufumbo, a sombra do juazeiro, o desabrochar gratuito das jitiranas, o tempero do manjericão.

Um pequeno relato final. Johann Christian Friedrich Hölderlin, poeta lírico e romancista alemão, certa feita foi instado pela mãe a deixar esse negócio de poesia. (Sua genitora considerava isso um tanto perigoso, além de impedi-lo de viver uma vida normal). Em resposta, ele escreve à mãe: “a poesia é a coisa mais inocente do mundo.” Inocente, em alemão, é "unschuldig", que quer dizer uma coisa não-culpada, isenta de culpa. Em latim, “inocens” significa algo que não prejudica. Nocere é ser nocivo, prejudicar. Inocens é aquilo que não prejudica a ninguém e a nada.

Aprendamos com esse poeta terrestre, telúrico, a lição essencial da poesia: passar por essa vida insuflando a alegria, lançando sementes de sonho no coração dos nossos semelhantes e evitando causar prejuízos às coisas e às pessoas.

Parabéns, Dideus Sales, um Pereira de Jesus, rebento do rio Poty de Crateús, poeta de terra e luz!

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