sábado, 8 de abril de 2017

QUARTO CARNAVAL PÓS RENÚNCIA


Fevereiro de 2013. Era pleno Carnaval, festa dionisíaca por excelência, quando o mundo foi surpreendido com a notícia de que Sua Santidade, o Papa Bento XVI, havia tomado a ousada decisão de renunciar. Perante o Consistório, assembleia de cardeais por ele convocada, o Papa fez a solene declaração.

O Papa renunciou. Abdicou do anel de ouro, das vestes exuberantes, da solene chefia de Estado, do comando mundial da Igreja, dos reverentes cortejos de beija-mão, do orçamento bilionário, da pomposidade do trono de Pedro.

Nunca a assertiva profética de que o Autor Celestial insere sua escritura luminosa em pergaminhos obscuros foi tão verdadeira. Aqui, elegeu para protagonizar o ato pessoal mais desconcertante e revolucionário da Igreja nos últimos tempos exatamente um Papa que sempre exibiu o rótulo de conservador e reacionário.

Um pastor tido e havido como apegado ao poder pratica o gesto extremo de desapego...

Além de líder espiritual, o Papa é chefe de Estado, comandante maior de um poder terreno, temporal, secular. Renunciar ao Papado é, também, abrir mão de um império político e econômico.

O anúncio deixou estonteados tanto os que o admiram quanto os que o repulsam. A decisão de renunciar soou não como um ato de covardia, mas de coragem. Indiscutivelmente, um voluntário gesto libertário!

Pois é o apego, sobretudo o apego ao poder que nos torna presas fáceis e nos impede de seguir a trilha da liberdade!

Lembra sobre como se pega macaco na Índia?

Lá, toma-se um coco grande e nele se faz um buraco de tal forma que só entre a mão do macaco com certo aperto. Amarra-se o coco num tronco e lá dentro do coco se colocam torrões de açúcar para atrair o bicho. O macaco mete a mão e agarra o torrão de açúcar. Tenta retirar a mão e já não pode mais porque não quer largar o torrão. Pelo apego, é facilmente apanhado.

Segundo os Budistas, o desapego é essencial para o caminho da iluminação.

Há uma famosa história zen que é muito elucidativa disso. Um mestre e seu discípulo estavam a caminho da aldeia vizinha quando chegaram a um rio caudaloso e viram, na margem, uma bela moça tentando atravessá-lo. O mestre zen ofereceu-lhe ajuda e, erguendo-a nos braços, levou-a até a outra margem. E depois cada qual seguiu seu caminho. Mas o discípulo ficou bastante perturbado, pois o mestre sempre lhe ensinara que um monge nunca deve se aproximar de uma mulher, nunca deve tocar uma mulher. O discípulo pensou e repensou o assunto; por fim, ao voltarem para o templo, não conseguiu mais se conter e disse ao mestre:

— Mestre, o senhor me ensina dia após dia a nunca tocar uma mulher e, apesar disso, o senhor pegou aquela bela moça nos braços e atravessou o rio com ela.

— Tolo – respondeu o mestre – Eu deixei a moça na outra margem do rio. Você ainda a está carregando.

O apego é escravizador; o desapego, libertador!

O apego transforma a nossa existência em uma imensa cisterna abandonada, sem circulação vital, com a energia parada.

A água parada é um exemplo nítido dos efeitos do apego: cria substâncias lodosas, bactérias, contaminação. Por isso muitas pessoas resistem em descer aos porões de casas antigas: a energia ali estagnada incomoda.

A vida é pulsação constante, troca energética, circulação de afeto, mudança de padrões, renovação permanente.

O desapego libera a cristalina e generosa água corrente da vida! Pratiquemo-lo!

(Júnior Bonfim, Carnaval de 2017)

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