terça-feira, 7 de julho de 2015

JUAREZ LEITÃO E CRATEÚS


Teatro Rosa Moraes. Noite de 02 de julho de 2015. Lá estava ele, Juarez Leitão, para receber um diploma de cidadão crateuense e lançar aos ares um dos mais emocionados discursos de todas as suas eras. Prédica pródiga, prenhe de poderosas recordações, serra grande de emoções. Ocupou a tribuna como um senador romano. Ora com a solenidade mítica de quem desfia um rosário, ora com a farta e descomprometida generosidade de um perdulário. Assim exibiu o nosso inventário. Abriu o caminho que nos revelou o pergaminho do rol essencial que constitui o nosso patrimônio imaterial. Não podia haver lugar melhor para aquela cerimônia do que o palco das apresentações artísticas da cidade... O Teatro - do grego, “lugar para olhar” - espaço mítico feito para que admiremos simultaneamente um desenho arquitetônico e um conjunto de peças dramáticas exibidas para o público.

E eu me recordei do dia que o saudei naquele mesmo local sagrado, dizendo: “Penso que falta a este Teatro a presença dos sinos. Sinos, senhoras! Senhores, faltam sinos neste templo ecumênico da cultura crateuense. Como é lindo o repicar dos sinos anunciando e ao mesmo tempo convocando a todos para, com formalidade litúrgica, participarem da solenidade essencial. E se alguém nos perguntasse: por quem os sinos dobram? Diríamos que dobram por Juarez Leitão, o maior poeta vivo dentre os nascidos neste sertão. Sim, porque todos nos postamos, reverentes, ante o brado retumbante da sua verve, fazemos um semicírculo cerimonioso sob o barulho tonitruante dos tambores da sua oratória. Oratória que o tornou laureado na Academia Cearense de Letras, na Academia Cearense de Retórica, na Academia Fortalezense de Letras, na Academia de Artes e Letras do Nordeste, na União Brasileira de Escritores e na Associação Nacional dos Professores de História. É difícil precisar se fala melhor do que escreve ou se escreve melhor do que fala. Resplandece como historiador, poeta, cronista, biógrafo e conferencista. Juarez, teu caule é alimentado pela seiva do nosso Juá. E é como um colossal pé de Juazeiro, a palmeira do nosso sertão, que o seu nome eleva a nossa instituição, mantendo-a permanentemente viva e verde”.

Crateuense sempre foi, desde o ventre da mãe, quando foi instrumento do milagre de viver. Embora nascido no Barro Vermelho, localidade vinculada à circunscrição do município de Novo Oriente, Juarez foi levado a Crateús pela vez primeira com cinco meses de vida, no ventre da mãe. Seu pai, João Belo, providenciara sua remoção urgente para a capital da região, pois Donamaria (sic), a genitora de Juarez, desfalecida, sangrava muito após sofrer uma “marrada” violenta de um carneiro.

“Na nave uterina, estava eu sofrendo a primeira ameaça de morte, antes mesmo de ver o mundo. O doutor Moura Fé foi muito claro em seu diagnóstico: A situação era grave, muito grave. Poderia salvar a mulher, mas tinha que extrair o feto, aos pedaços. Era a minha condenação, decisiva e peremptória. Raimundo de Moura Fé, médico piauiense, residente em Crateús, era naquele tempo o prefeito da cidade. E, por ocupar essa função e ter que atender chamado urgente na Prefeitura naquela manhã, interrompeu a minha execução, entregando minha mãe aos cuidados da enfermeira Cotinha, Maria Soares Alcanfor, que a troco de óleo de rícino, cafiaspirina, aguardente alemã e massagens no ventre, praticamente ressuscitou Donamaria e fez a criança voltar a mexer em seu ventre”.

Na terra do Senhor do Bonfim, Juarez, aos sete anos, teve o primeiro encontro com a civilização:

“Hospedado na Pensão do Crispim, fui apresentado à luz elétrica e comi meu primeiro pedaço de pão. Ao entrar na cidade, na boleia do caminhão do Moacir, dirigido pelo Chico Ventinha, vi o arruado, as casas pregadas umas nas outras, a posteação de um lado e do outro da rua, o arco de Nossa Senhora de Fátima, a feira apinhada de mercadorias, animais, gentes e gritos, a Praça da Matriz com sua igreja de majestosa beleza”.
“Muitas outras vezes visitei Crateús, todas as vezes que vinha tomar o trem para Sobral, onde estudava no Seminário Diocesano. Quando desisti do sacerdócio, em 1966, vim para Crateús, para a casa de minha mãe, que já morava aqui”.


O primeiro emprego, no Movimento de Educação de Base, MEB, aproximou-o do nosso primeiro bispo, Dom Antônio Batista Fragoso, a quem homenageou como “verdadeiro santo, intrépido cavaleiro da verdade e da coerência, bravo defensor da dignidade humana”. Recordou os tempos da adolescência, “começando a abraçar as incertezas épicas da vida, as oscilações típicas desse momento existencial que, por necessidade de afirmação, nos torna às vezes impetuosos, às vezes tímidos, pisando titubeantes os inseguros degraus das descobertas individuais”.

O amante da política e da literatura “queria aparecer de modo vantajoso para os habitantes de meu tempo”. Fez discursos, liderou passeatas de estudantes, fundou um jornal-mural, escreveu crônicas que eram lidas na Rádio Educadora, cometeu inconveniências, falou coisas descabidas, conheceu as delícias da carne no cabaré e, então, no apogeu da petulância, se achou um homem de verdade, um homem com H.

Exclamou:

“Ah, Crateús, quantas histórias me contavas. E as melhores eu ouvia na casa de comércio do Ferreirinha, Norberto Ferreira Filho, por onde passava todos os dias para uns dedos de prosa”.

Juarez aprendeu que três mulheres fundaram Crateús:

“Dona Jerônima, viúva do feroz bandeirante Domingos Jorge Velho que, nos albores da colonização, reclamou as vastas léguas de terras conquistadas por seu marido; Dona Ávila, que em 1721 arrematou todo o Vale do Poti pela quantia de 4.000 cruzados; Dona Luíza, baiana da Casa da Torre, que mandou construir a capela e nela entronizar a pioneira imagem do Senhor do Bonfim, trazida da Bahia numa rede, ao ombro calejado de escravos”. Três mulheres, também, são as três colunas pedagógicas da cidade: “a centenária professora Rosa Moraes, Francisca Rosa e Dona Delite, descobridoras de talentos e animadoras da inteligência do Vale do Poti”.

Após recordar os grandes acontecimentos históricos de Crateús e, em meio à aclamação pública e o regozijo pessoal, não escondeu as lágrimas ao recordar o irmão José Maria Leitão, médico dinâmico, líder político promissor: “colhido pela tragédia no esplendor de seus 39 anos, tornou-se uma marca de dor em minha alma, e a saudade dele é uma ferida braba que arde sem parar e queimará em mim eternamente”.

Afilhado da gratidão, agradeceu aos vereadores Cleber e Eva pela outorga do título e concluiu:

“Entro, a partir de agora, no testamento da Princesa do Oeste e a terra onde recebi as águas do batismo será também, doravante, minha mãe honorária. Filho oficial de Crateús e irmão dos crateuenses, abraço a história desta nossa terra amada, prometendo honrá-la, defende-la e ajudar em sua eterna construção”.


(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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