sexta-feira, 5 de abril de 2013

ARTIGO DE NIZAN GUANAES SOBRE O PAPA FRANCISCO

Que coisa mágica é a vida. Estava eu chegando a Buenos Aires na semana passada para uma reunião de trabalho e jamais poderia imaginar que estivesse ali naquele dia para presenciar a mão do Espírito Santo e da história.

Saí do Aeroparque, o belo aeroporto ribeirinho da capital argentina, e fui até o meu hotel trocar de roupa antes de minha reunião. Liguei a televisão e, para a minha surpresa, o papa já havia sido escolhido.

Durante a próxima hora, eu e o mundo esperamos para ver que novo papa a fumaça branca nos traria. E eis que ele chegou. Surpreendente como a vida. Um argentino. E eu em Buenos Aires.

Começava ali uma aula de comunicação para o mundo que resume e mostra de maneira instintiva tudo o que os teóricos enchem a paciência e perdem um tempo enorme para explicar: a comunicação de 360 graus.

O cardeal Jorge Mario Bergoglio mostrou sem PowerPoint nem lero-lero como uma palavra pode mudar tudo, como um nome pode ser capaz de transmitir para o mundo todo uma mensagem tão poderosa e precisa.

A palavra é Francisco.

Francisco é uma palavra rica de significados num mundo pobre de significado.

Francisco quer dizer coma moderadamente num mundo obeso. Francisco quer dizer beba com alegria num mundo que enfia a cara no poste. Francisco quer dizer consumo responsável em sociedades de governos e consumidores endividados. Francisco quer dizer o uso responsável do irmão ar, do irmão mar, do irmão vento e de todas as riquezas debaixo do irmão Sol e da irmã Lua.

Francisco é um freio de arrumação não só na Igreja Católica Apostólica Romana, mas na sociedade a quem ela deve guiar. Em 24 horas, Bergoglio pegou uma instituição que estava emparedada e a tirou da parede, transportou-a dos intramuros do Vaticano para o meio da rua, para o meio do rebanho.

Comunicar é o papel da igreja. Para isso, foram escritos o Velho Testamento e o Novo Testamento, e Jesus não deixa dúvida quando disse aos apóstolos: "Ide e anunciai o Evangelho".
Ide, ao contrário do que faz a gorda Cúria Romana, quer dizer ir, não quer dizer ficar em Roma. Quer dizer ir e anunciar.

E anunciar hoje é muito mais do que o comercial de 30 segundos. Anunciar hoje é usar todas as ferramentas disponíveis, todos os pontos de contato com seu público. Papa Francisco sabe disso muito bem.

Tanto sabe que muito antes de se apresentar ao mundo na sacada do Vaticano baixou um Steve Jobs nele, e, quando o monsenhor veio lhe oferecer uma veste toda rebuscada, Francisco Jobs retrucou: Se o senhor quiser, pode vesti-la, monsenhor, eu, não. O carnaval acabou.

É digno de reparo que Francisco não fez pesquisas nem testes antes de criar tudo isso. Não precisava. Foi buscar sua mensagem no DNA da igreja. E está escrevendo certo por linhas tortas.

Mesmo as coisas conservadoras que têm dito, coisas com as quais eu pessoalmente não concordo, são muito relevantes. A igreja não pode querer agradar a todo mundo. Ela tem que marcar territórios e significar coisas, e, ao fazê-lo, naturalmente exclui almas de seu rebanho.

Marca, design, conduta, relações públicas, endomarketing, alinhamento interno: "habemus papa".

Francisco se utilizou de todos os recursos do marketing para passar sua mensagem rapidamente, com alto impacto e precisão, para
o público interno e para o público externo.

Parece até que o 3G Capital assumiu o comando da igreja. Choque de gestão, orçamento base zero, alinhamento com a cultura perdida, volta às raízes, fé no trabalho, administração franciscana e disciplina de jesuíta de santo Inácio e professor Falconi.

Paradoxalmente, Francisco hoje acredita numa gestão mais parecida com Lutero do que com a tradição romana. Mas a igreja só teve que se enfrentar com Lutero porque ao longo do tempo se esqueceu da palavra Francisco.



Nizan Guanaes publicitário baiano, é dono do maior grupo publicitário do país, o ABC. Escreve às terças-feiras, a cada duas semanas, no caderno 'Mercado'.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

LANÇAMENTO DO LIVRO "LUIZ GONZAGA - MUITO ALÉM DE UM SANFONEIRO"

CONJUNTURA NACIONAL

O circo

Começo com um final de campanha numa cidadezinha mineira. Final de campanha política em Divinópolis/MG. O candidato governista patrocina uma sessão matinê de circo para a galera eleitoral. Animação geral. Depois das risadas com os palhaços, a vez do leão. O domador exibe suas qualidades com a fera. Rugindo muito, o leão abre a bocarra, arreganha os dentes e fura a gaiola. Bate o pavor. As pessoas começam a correr. O caos se instala. A criançada se atropela em alvoroço. O "mineirim", numa cadeira de rodas, com a perna engessada, se esforça para sair do sufoco. A galera, ao ver o pobre estropiado, começa a gritar para acudi-lo:

- O cara engessado, o cara engessado. Pegue o cara engessado.

Desesperado, o "mineirim" rodopia na cadeira de rodas, enquanto o leão se aproxima. As pessoas continuam a gritar:

- O cara engessado, o cara engessado.

Sem forças, quase desistindo, "o mineirim" grita, fulo da vida:

- Vão se lascar, cambada de filhos da mãe; deixa o leão iscoiê sozim....

O jogo de Dilma

A presidente Dilma Rousseff deixa de lado a feição técnica que caracteriza seu perfil e arremata, com precisão de experiente política, a moldura governativa. Acaba de confirmar a indicação do ex-senador César Borges (PR) para ocupar a Pasta dos Transportes, da qual saíra, tempos atrás, o presidente da legenda, senador Alfredo Nascimento. Ou seja, o espaço continua a ser ocupado pelo partido. Nascimento foi praticamente alijado do governo. Volta em grande estilo. Tudo por conta do pleito de 2014. Dilma quer ampliar e consolidar a base governista, nesse momento em que a competitividade eleitoral, ao que parece, tende a se acirrar. Borges, apesar de não contar com o apoio maciço da bancada, não sofre restrições da cúpula.

Afif no Ministério

A presidente Dilma, ainda na esteira de reforço à estratégia de consolidação da base governista, escolheu Guilherme Afif Domingos para comandar a Secretaria da Pequena e Média Empresa, que terá status de Ministério. Afif, do PSD de Kassab, conhece como ninguém as questões pertinentes às pequenas empresas. A escolha foi acertada. Mas Kassab faz questão de frisar que a indicação não é do partido, mas seleção pessoal da presidente. Claro, isso faz parte do jogo. Seria feio passar a impressão de que estaria negociando apoio ao governo com uma vaga no Ministério. Ademais, com cerca de 50 parlamentares, sendo a quarta bancada da Câmara, o PSD não se contentaria com uma Pasta recém-criada e sem força política. Por isso, Kassab quis se despregar da ideia do troco. Ademais, quer ver a banda passar. A banda de Eduardo Campos. Se tocar fazendo muito barulho, poderá arrastar o folião Kassab e sua trupe. Mais adiante, é claro.

Campos na arena

A essa altura, está praticamente decidida a entrada na arena de 2014 do governador de PE, Eduardo Campos. O neto de Arraes ouve interlocutores de todos os lados. Consenso: deve ser candidato. Não há uma opinião em contrário. Mesmo aqueles que não acreditam em suas chances, dizem a ele: você será vencedor em qualquer circunstância. Perdendo, ganha imensa visibilidade e credencia-se para 2018. Lula não perdeu três vezes? Campos tem boa penetração no empresariado. Mas encontra um paredão no Sudeste, particularmente nos dois maiores colégios eleitorais do país, SP, com mais de 30 milhões de eleitores, e RJ, com 15 milhões.

E Lacerda, hein?

Ademais, pode não contar com sua chave para abrir portas no Sudeste: Márcio Lacerda, o prefeito de BH, que é do PSB, partido de Campos. MG é o terceiro maior colégio eleitoral do país. Mineiros e não mineiros apostam que Lacerda acabará afagando a candidatura do tucano Aécio Neves.

Os Gomes

Pois é, com todo impulso dado pela mídia ao governador de PE, depois de jantares e almoços com empresários, eventos e conversas de bastidores, a hora da verdade está chegando: até os Gomes poderão deixar Campos correndo sozinho no prado. Cid Gomes não cansa de dizer que apoia a reeleição da presidente Dilma. O irmão, Ciro, lembra que o governador precisa comer, ainda, muito milho, o milho dos problemas brasileiros, para cavalgar a montaria presidencial. Mas, se Eduardo Campos ostentar algo como 10% de intenção de votos na primeira rodada de pesquisas de 2014, haverá uma avalanche de apoiadores. A conferir.

Segundo turno

O que parece ser mais visível é um cenário de segundo turno caso tenhamos no páreo: Dilma, pelo PT; Aécio Neves, pelo PSDB; Eduardo Campos, pelo PSB e Marina Silva, pela Rede Sustentabilidade. Em um quadro de economia estável e emprego em alta, o cenário de vitória de Dilma, em primeiro turno, ainda se sustenta. Mas quem aposta nisso? A inflação, pela visão dos melhores analistas, excede a meta; o crescimento neste ano ficará em torno dos 3%; o desemprego oscilará entre pequenas quedas e estabilização. Marina, recorde-se, teve quase 20 milhões de votos em 2010. Aécio e Campos teriam condições de arregimentar grandes fatias do eleitorado de classe média.

Outros cenários

E se Marina não conseguir formar sua Rede até outubro, hein? Tem boas alternativas a escolher: ser vice na chapa de Campos. Mas há também quem veja Aécio Neves como companheiro de Edu Campos ou este na chapa do mineiro. Formariam uma dupla de boa aparência. Mas e os bons votos? Viriam? Este consultor tende a acreditar que Eduardo Campos tem mais potencial de crescimento do que Neves. O neto de Tancredo é um novo-velho. Cara manjada. Campos exibe perfil mais asséptico. E onde estará José Serra, o tucano mais conhecido? Serra continua a conversar muito com o deputado Roberto Freire, que comanda o PPS. Especula-se que pode vir a ser candidato a presidente por esta legenda. A especulação chega às alturas com a alternativa de Serra ser juntar a Eduardo Campos. A fome com a vontade de comer.

O eleitorado

Seja quais forem as alianças e parcerias, o fato é que os candidatos se depararão com um eleitorado que incorpora, a cada ciclo eleitoral, novos valores. Vejam a planilha dos conceitos-chave que iluminarão o processo decisório: ética, racionalidade, exigência, novos padrões políticos, assepsia, transparência, crítica, organicidade, maior participação, democracia participativa em ascensão. É claro que esses valores estão mais próximos dos contingentes centrais do que das massas periféricas. Mas as margens que ascendem na pirâmide social também passam a abrigar escopos mais elevados.

Polarização PT versus PSDB

Percebe-se, hoje, esgotamento da polarização PT x PSDB. Esta polarização é particularmente observada em SP, capital por excelência da racionalidade eleitoral. O eleitor paulistano é um destruidor de mitos. Vota em um perfil de esquerda ou um quadro da direita, analisando as circunstâncias, o espírito do tempo. Mas os perfis que têm disputado as campanhas majoritárias - do PT e do PSDB- parecem contaminados pelo vírus da corrosão de material.

Sombras do passado

Por isso, os velhos nomes dos dois partidos que, por acaso, encabeçarem chapas majoritárias em 2014, poderão conhecer o caminho da roça, ou seja, de volta ao lar. Os ministros Mercadante e Marta Suplicy, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho e mesmo esse Padilha, do Ministério da Doença, caso candidatos, enfrentarão o denso paredão da rejeição ao PT em SP. Já Alckmin, da mesma forma, vai se deparar com o fenômeno "desgaste de material". Sobraria, então, para um perfil mais asséptico, como o de Paulo Skaf, por exemplo.

Anastasia, decepção

Ouço de quem entende de política mineira: o governador Antonio Anastasia tem sido uma decepção. Não fez, até o presente, a revolução de gestão que se esperava, não tem nenhum carisma, é um burocrata que se enquadrou na moldura da velha política.

Neves fora?

Por isso, Aécio continua a ser o sonho de muitos mineiros, que querem vê-lo na cadeira do governador de Minas. Dizem que essa opção não está de todo afastada. Neves fora do páreo presidencial, e apoiando Eduardo Campos, é uma carta do baralho de alguns analistas.

Genro ruim

Comenta-se que outra decepção é Tarso Genro, do PT, que governa o RS. Tarso é um dos mais preparados quadros do PT. Ocorre que os Estados atravessam a mais séria crise da sua história. Crise na frente das finanças. E um governador preparado, seja ele Anastasia ou Genro, não pode fazer muita coisa. Fica no feijão com arroz sem tempero.

Aliás, safra ruim

Aliás, com exceção de um ou outro, a atual safra de governadores é fraca. Quem tem boa avaliação, como Eduardo Campos, ganhou respaldo do governo Federal. No ciclo Lula, PE ganhou uma enxurrada de recursos. Uma montanha de investimentos.

Cid, o grande

Já no CE, a fama de Cid Gomes se dá por conta de altos dispêndios com artistas, monumentos, eventos e objetos. Fala-se da aquisição de uma aeronave de última geração. Shows caríssimos pavimentam sua trajetória no governo cearense.

PMDB

O PMDB, sob a liderança de Michel Temer, está mais unido que em outros tempos. A divergência do senador Jarbas Vasconcelos, de PMDB de PE, é histórica. Se vir a apoiar Eduardo Campos, poderá receber censura e, até, ser enquadrado por uma intervenção no partido em PE. E Pedro Simon faz da zoeira discursiva o marketing da autoglorificação.

Camarão pede SOS

Produtores de camarão do CE reuniram-se, semana passada, para avaliar a situação do setor, ameaçado com a abertura da importação. O Banco do Nordeste cancelou, de forma abrupta, empréstimos à carcinicultura nordestina. Ocorre que os produtores investiram altos recursos em tecnologia para aumentar a produtividade das fazendas. Solicitaram à Concessionária de Energia do CE aumento da oferta. Para surpresa de todos, a Coelce informou não dispor de mais energia para fornecer além da contratada. Que país é este? Não há energia para abrigar novos investimentos. Detalhe: em novembro do ano passado, o Ministério da Pesca promoveu uma missão para que os empresários brasileiros fossem conhecer as fazendas de camarão mais produtivas do mundo em quatro países asiáticos. Os produtores voltaram entusiasmados e perguntam: e agora?

MP dos portos?

A MP 595 continua navegando em águas turbulentas dentro do Congresso. O governo quer que investidores privados aportem recursos, mas ainda há muita insegurança. Os trabalhadores querem manter o status quo. Fato é que as amarras nos cais precisam ser soltas em busca de competitividade urgentemente. Perguntar não ofende: se a matéria é de capital importância, não seria o caso de passar pelo rito das comissões temáticas para aprofundar as discussões e buscar-se o aperfeiçoamento do texto? O ditado diz que quem tem pressa come cru.

Os dois filhos

Sabem qual filme desapareceu das locadoras?

Os Dois Filhos de Francisco!

Mare nostrum

Embora este consultor saiba que a âncora da MP 595 esteja sendo baixada na seara mercantil e na necessidade premente de melhorar o escoamento das nossas exportações, o setor de Cruzeiros Marítimos é ator fundamental nessa discussão. O senador Vital do Rêgo, que vem adotando velocidade de cruzeiro frente à presidência da CCJ, entendeu essa importância e enviou requerimento para que a comissão mista possa ouvir a entidade que representa os Cruzeiros em nossas águas. A conferir.

É um bicho!

Todo mundo sabe que o ex-prefeito de Parnamirim, Agnelo Alves, e o ex-governador e atual deputado Lavoisier Maia não são símbolos de beleza masculina. Jamais seriam um "Deus" grego, como Apolo, que sintetizava esse privilégio estético. E no cotidiano de ambos não faltam situações hilariantes que os envolvem, porém sempre com os dois mostrando bom humor. Em certos casos, até mesmo ignorando algo de mais pesado. Governador do Estado, Lavoisier Maia é convidado a ir a SP para encontro político com uma liderança nacional. No mesmo voo está em sua companhia o jornalista Agnelo Alves, fazendo uma parceria de estilhaçar qualquer espelho. O enviado pelo político paulista para receber Lavoisier Maia é orientado de modo simplista e direto: "É o mais feio que descer do avião"! Não tinha como errar, calculava o emissário. No aeroporto o enviado vê descer Agnelo Alves e exclama em voz baixa: "É ele !" Aproximando-se de Agnelo, o assessor destacado para aquela ingente missão o aborda consciente: "Governador, por favor me acompanhe!" Agnelo logo esclarece o mal-entendido: "O governador vem aí atrás". A reação do enviado é de torpor: "Então é um bicho!".

(Quem conta é Carlos Santos, no livro Só Rindo)

Conselho a Marco Feliciano

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos pré-candidatos presidenciais. Hoje, volta sua atenção ao pastor deputado, Marco Feliciano, que preside a Comissão de Direitos Humanos:

1. Vossa Excelência já teve seus 15 minutos de glória. É hora de guardar os troféus alcançados por alta visibilidade, usar o bom senso e renunciar ao comando da Comissão de Direitos Humanos.

2. Vossa Excelência, ao convocar Satanás para o centro do debate político, acabou misturando questões religiosas com a pauta do Estado, o que não condiz com o escopo republicano.

3. Uma coisa é defender a pluralidade religiosa, nos termos da CF, outra coisa é usar a tribuna política para expressar um verbo de discriminação.

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 2 de abril de 2013

OBSERVATÓRIO

Publius Vergilius Maro, o excelso poeta latino que a humanidade festeja simplesmente por Virgílio, teve sua existência recheada de lendas. Uma delas conta que, no ano 17 antes de Cristo, o imperador Augusto promoveu a realização de uma grande festa, cuja programação constou jogos, corridas, peças de teatro, cerimônias religiosas e sacrifícios destinados a obter a proteção das divindades romanas. Porém, chovia a noite toda, e por sorte, durante o dia, o tempo ficava bom, permitindo, desta maneira, a continuidade festiva. Virgílio, ainda desconhecido, escreveu, então, na porta da entrada da cidade de Roma, o seguinte dístico: “Nocte pluit tota, redeunt spectacula mane./ Divisum imperium cum Jove Caesar habet”. (“Chove a noite toda, de manhã recomeçam os jogos. Deste modo, César divide o poder com Júpiter”). Lisonjeado, o imperador buscou saber quem escrevera aqueles versos. Um certo Batilus reivindicou a autoria dos versos que não eram seus, e acabou por ganhar um prêmio do Imperador. Virgilio, indignado, pois era o verdadeiro autor dos versos, escreveu nos muros de Roma: Hos ego versículos feci, tulit alter honores. (Eu escrevi os versos acima, mas outro levou as honras). Intrigado, o Imperador promoveu um concurso para descobrir o verdadeiro autor dos versos, e por óbvio, Virgilio revelou o gênio. Assim, caiu nas graças do Imperador Augustus e de Mecenas, dos quais recebeu incentivo e apoio financeiro pelo resto da vida.

DIDEUS

Dideus Sales, que aniversaria neste 02 de abril, é uma espécie rara, um ser híbrido que nos mimoseia com a genialidade de um versejador nato e, ao mesmo tempo, de um estimulador do talento alheio. Combina Virgilio e Augusto; é uma fonte original da mais autêntica poesia popular e, também, uma casa de apoio e incentivo para a germinação lúdica de outros artistas. Mensalmente, escolhe o portal de uma cidade cearense para inserir estrofes que enobrecem a alma humana. Vez por outra, promove um festival de cantadores e violeiros para semear alegria e esperança nos corações amargurados pela aridez existencial. Constantemente cunha um livro melhor que o anterior. E permanece em sintonia perene com as aves e as árvores da nossa surpreendente geografia para cantar o amor e a amizade, o instrumental da festa do viver. Parabéns, poeta!

OPOSIÇÃO

Moacir Soares, recém-chegado de um passeio pela dadivosa Paris, compartilha uma percuciente análise do jornalista Fábio Campos sobre os malefícios da ausência de oposição na arena política. Eis alguns trechos: “O ato de se opor é fundamental para a política. O ato de opor não deixa que o gestor público se deleite na zona de conforto e se embrenhe na teia palaciana sempre tão disponível para elogiar e criar bolhas em torno do chefe. (...) Uma boa oposição serve de antídoto contra a mania de cometer bobagens. Uma mania tão comuns aos gestores. Um gestor ensimesmado tem na oposição um obstáculo contra seu orgulho. A oposição é a melhor aliada do gestor honesto que é enganado pelo auxiliar corrupto. (...) Desconfiemos de quem não tolera oposição. Desconfiemos de quem usa o poder da caneta para cooptar opositores e eliminar o pensamento crítico. A falta da oposição causa mais estragos que uma seca. (...) Sem opositores, prevalece a pasmaceira e o silêncio medroso. No fim das contas, a inoperância e a falta de respostas se estabelecem. E quem mais perde? Ora, quem mais perde são os de sempre, os mais pobres, os sem ongs, os sem voz, os sem partido. A imensa maioria”.

OPOSIÇÃO II

A digressão de Fábio Campos se refere ao cenário estadual, mas cai como uma luva para a realidade municipal. Disseminou-se uma ideia de que só existe vida política à sombra do poder. Ou que Vereador tem que estar do lado do prefeito. E isso é um equívoco. É possível, sim, um edil desenvolver um mandato brilhante, operoso, combativo, atuante e reconhecido pela comunidade sem manchar os seus princípios, enlamear a trajetória ou trair suas convicções.

OPOSIÇÃO III

Em Crateús, o candidato a Prefeito Ivan, que obteve surpreendente votação, articula um movimento para manter acesa a chama oposicionista. Está organizando um encontro nos próximos dias para avaliar os primeiros cem dias do segundo mandato de Carlos Felipe e debater com a população caminhos para a cidade em harmonia com alternativas viáveis de ações. Urge que se formalize a constituição de uma referência sólida, uma movimentação organizada que abrace o estudo das grandes causas e promova a execução de projetos concretos de melhoria de vida das pessoas.

COMENTA-SE...

... Que o vereador Conegundes Soares poderá engrossar os punhos da Rede, o novo partido da bem colocada nas enquetes presidenciais Marina Silva...

... Zé Humberto, edil que se elegeu sem qualquer empurrão oficial, migra cada dia para uma posição de independência do Executivo. Está questionando a lisura de processos licitatórios e quer a implantação da Lei da Ficha Limpa no Município...

PARA REFLETIR

“Diante da seca, o silêncio que estoura os tímpanos. Diante da violência, os surdos e mudos que fazem de conta que o escândalo não lhes diz respeito. É assim na Assembleia Legislativa. Não há oposição com o tamanho que a democracia pede. Está assim no Ceará, em Fortaleza, em todas as capitais e em todos os estados”. (Fábio Campos)

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

domingo, 31 de março de 2013

O JOIO LEGISLATIVO

Perguntaram a Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, se havia produzido boa legislação para os atenienses. Respondeu: “dei-lhes as melhores leis que podiam suportar”.

Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação dos poderes, quais as boas leis que um país deve ter? Respondeu: “quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por toda a parte”.

Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É provável que aponte o numero de projetos apresentados – sem destaque para o mérito –, corroborando a ideia de que, em nossa seara parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente.

Amparados pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Jóia Folheada (toda última terça feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo escrito por parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar a resposta: “são as leis que os brasileiros têm de aguentar”.

Cada povo com sua medida legislativa.

Não bastasse a progressão geométrica do que se pode chamar de Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa (PNBIL), forças exógenas emprestam sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis.

A Copa das Confederações e a Copa do Mundo, sob o escudo da Federação Internacional de Futebol (FIFA), anunciam um conjunto de normas para mudar o comportamento do torcedor brasileiro.

Serão terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes e suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto no burburinho de torcidas inflamadas ouvido nenhum será capaz de distinguir onomatopeias positivas de palavrões. Risível, não?

O fato é que a FIFA quer mudar por decreto a maneira brasileira de ser. Obrigar torcedor fanático a entrar em ordem unida e adotar comportamento considerado exemplar é tentar tapar o sol com a peneira.

Tem mais: que ninguém tente se levantar para comemorar um gol de seu time ou reclamar impedimento de jogador do time adversário. Cerveja pode, mas fumar, nem pensar. Dito isto, vem a pergunta: como os pregadores dos bons costumes em estádios de futebol controlarão o ímpeto expressivo da massa? Brigadas da FIFA vigiarão seus movimentos?

Esses são os nossos Trópicos. A fúria legiferante que entope as vias institucionais e chega ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas, tem muitas significações.

Para começar, somos um país que ainda não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, “preciosidade” trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por D. Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos. Concedido a “homens bons”, nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos evangelhos, incrustou-se na vida brasileira, a ponto de atravessar, incólume, mais de cinco séculos.

Deixa sua tinta forte na própria era digital. A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia. Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram impor a ordem do mundo ideal.

Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei.

A célebre pergunta – você sabe com quem está falando? – expressa a ideia de que o poder deriva do cargo de quem o detém. O brasileiro, mais que outros povos, exibe esta bandeira. A floresta legislativa se agiganta nessa vertente.

De 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais, o que dá 6.865 leis por ano.

Em 2012, na Alemanha, o Parlamento foi muito criticado por ter aprovado 20 leis. A imprensa considerou excessivo o número. Lembre-se que os anglo-saxões organizam a vida sob o direito consuetudinário, ancorado em costumes. Poucas leis bastam.

Outra questão é a desobediência ao império legal. Infringir a lei torna-se rotina no país. Não por acaso, entramos no chiste como quarta modalidade de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, onde tudo é permitido, com exceção do que é proibido; a segunda é a alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; a terceira é a totalitária, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido e a quarta é a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido.

Nossas leis caem no esquecimento. Proibição de películas escuras nos automóveis? Uso de cinto de segurança no banco traseiro? Dirigir com apenas uma mão no volante? Levar estojo de primeiros socorros nos veículos? Afinal, essas coisas foram ou não revogadas? Por via das dúvidas, não se cumpre a legislação. E ainda há um monte de leis inconstitucionais.

Nos últimos 10 anos, o STF julgou quase 3 mil Ações Diretas de Inconstitucionalidade; mais de 20% foram julgadas inconstitucionais.

Imensa quantidade do arsenal legislativo não atinge a vida dos cidadãos. São floreios para adornar uma galeria de homenageados. Datas comemorativas e louvações tomam a agenda de nossos representantes.

Por último, pérolas formam o Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa: em Santa Maria (RS),um vereador propôs a lei do silêncio dos animais, para evitar latidos de cachorros após 22 horas; em Catanduva (SP), um projeto ditava que os doentes deveriam morrer em cidades vizinhas por conta da superlotação das sepulturas; em Sobral (CE), sugeriu-se construir Torres Gêmeas para abrigar a prefeitura e as secretarias; em Manaus, um vereador queria instalar um neutralizador de odores nos caminhões de lixo e, em Porto Alegre, cavalos e burros teriam de usar fraldas, “com exceção dos que participarem de eventos”.

Ufa!


(Gaudêncio Torquato)