sexta-feira, 12 de agosto de 2011

CHICO XAVIER, DETETIVE DO ALÉM


O texto abaixo é o da reportagem publicada na revista O cruzeiro em 12 de agosto de 1944. David Nasser e Jean Manzon, repórter e fotógrafo mais ousados e mais temidos da revista O Cruzeiro, desembarcaram em Pedro Leopoldo, cidade onde residia o líder espírita, dispostos a “desvendar o homem Chico Xavier”. Disfarçaram-se de estrangeiros. Foram recebidos e pousaram para fotos. Ganharam livros de presente. Imaginaram ter enganado o médium. Quando retornaram ao Rio de Janeiro, descobriram que, ao autografar os livros, Chico havia grafado os seus verdadeiros nomes.

Eis a reportagem:


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Era uma vez um moço ingênuo e feliz, vivendo numa cidadezinha ingênua e feliz, perto de Belo Horizonte. O moço se chamava Francisco Cândido Xavier e não desmentia o nome. A cidadezinha, Pedro Leopoldo, arrastava suas horas de doce paz, entre as missas de domingo e a chegada do trem da capital. Não se sabe como, numa noite ou num dia, Chico se mostrou inquieto e desandou a escrever. Terminando, disse, apenas, à família assustada: - "Não fui eu. Alguém me empurrava a mão". Desde êsse dia ou essa noite, Chico Xavier perdeu o sossêgo e também o de sua cidade. Turistas chegavam, atraídos pela fama do moço-profeta. Pedro Leopoldo ia crescendo e Chico Xavier ia ficando importante. Nunca mais teve paz. Nunca mais pôde sair pela rua, sem ouvir um pedido de saúde ou uma prece de gratidão. Se ao menos fôsse só isto. Era mais, muito mais. Eram os curiosos do Rio, de São Paulo e de Belo Horizonte, pedindo consultas ou detalhes pelo telefone interurbano. Era a legião de repórteres em busca de novas mensagens. O representante da editôra insistindo por outros livros. Os centros espíritas de todo o país solicitando pormenores. Uma vida infernal, agitada, barulhenta sacudia o pobre rapaz.

As luzes dos lampiões da cidadezinha nunca mais dormiram sem a presença de um estrangeiro, rondando pelas ruas dantes tão sossegadas.

Esta reportagem que damos ao público fixa, precisamente, a violenta mudança de vida de Chico Xavier e da cidade de Pedro Leopoldo. Não nos interessa, embora pareça estranho, o medium Chico Xavier, mas a sua vida. Os seus trabalhos psicografados - ou não psicografados - já foram assunto de milhares de histórias, divulgadas desde 1935. Se são reais ou forjadas, decidam os cientistas. Se êle é inocente ou culpado dirão os juízes. Se êle é casto, instruído, bondoso, calmo, diremos nós. Porque não somos detetives do além.


Se os espíritos nos ouvem, êles sabem que você, Jean Manzon, e eu, não acreditamos em suas mensagens, nem desacreditamos de suas virtudes literárias.

A verdade é que não temos a bravura indispensável para avançar sôbre o terreno pantanoso do outro mundo e analisar suas reais ou irreais comunicações utilizando aparelhos de escuta, como êste pálido e sensitivo Chico Cândido Xavier. Desde que saímos daqui, levamos a inabalável determinação de fazer uma reportagem sem complicações, apesar do assunto em sua natureza extra-terrena mostrar-se absolutamente complicado. Assim é que o senhor, amigo, chegará ao fim destas linhas sem obter a certeza que há tanto tempo procura: "É Chico Xavier um impostor ou não é?" E dirá: - "Dei mil e quinhentos por esta revista e não consegui desvendar o mistério!" Sim, o mistério continuará por muito tempo. Eternamente. E Chico Xavier morrerá, sem revelar o segrêdo de sua extraordinária habilidade ao escrever de olhos fechados, se é mágico, ou de seu fantástico virtuosismo, ao chamar, além das fronteiras da morte, as almas dos imortais, fazendo-os recordar os velhos tempos da Academia. A intenção desta reportagem é mostrar o homem. Sem o espírito dentro de si, nos momentos vulgares, Chico Xavier é adorável, cândido, maneiroso, humilde, um anjo de criatura. A frase de uma vizinha define melhor: - "Sabe, moço? O Chico é um amor". Justamente dêsse tipo desconhecido, da parte anônima de sua devassada vida, é que tratamos, na hora e meia que permanecemos em Pedro Leopoldo. Para começar, diremos que Chico nunca teve uma namorada.


O tempo de viagem de Belo Horizonte a Pedro Leopoldo não vai além de hora e meia. A meio caminho, encontramos a fazenda federal onde Chico Xavier é dactilógrafo. O motorista não quer entrar. - "Aí, não. Até os zebus são atuados". O diretor, Rômulo, está na horta, sòzinho. Êle nos dará, talvez, esclarecimentos sôbre a vida de Chico e, quem sabe, facilitará o encontro com o sensitivo. Ouve o pedido. Depois, lentamente, abana a cabeça e o seu "não" é inflexível, desde o primeiro minuto. Alega um milhão de coisas. Que Chico anda cansado e precisa repousar. Um de nós lembra a possibilidade dêle, diretor, dar umas férias a Chico. - "O Chico funcionário nada tem a ver com o outro Chico". Apresentadas as despedidas, êle adverte: - "Não creio que será possível aos senhores um encontro com êle. Creio que vão esperar até sexta-feira".

Voltamos a deslizar pela estrada, neste sábado negro. A cidade aparece depois de uma curva. - "Onde fica a casa do Chico Xavier?" O menino aponta a igreja. - "Ali, na rua da matriz. Ele mora com a família". Encontraríamos, em várias oportunidades, a mesma designação do pessoal do município: Êle. Todos apontavam Chico, sem recorrer ao nome. Êle só podia ser êle. - "Minha irmã foi curada por êle".

Ei-lo aqui, diante de nós. Veio a pé da fazenda e em sua companhia um senhor do Rio, que algumas vêzes vem passar semanas com o medium. - "Gosto de falar com êle. É um rapaz de cultura. Discute vários assuntos, lê um pouco de inglês e de francês. Devora os livros com fúria. Trouxe-lhe, há dias, "O homem, êsse desconhecido" e êle não gastou mais de quatro horas e meia para ler o volume gordo. É um prazer para êle. Seu único amor é o espiritismo".

Chico, perto de nós, não está ouvindo a palestra. Conversa com Jean Manzon. Devemos esclarecer que não dissemos qual a organização jornalística em que trabalhávamos. Queríamos ver se o espírito adivinhava. Não houve oportunidade.

Chico parecer ser um bom sujeito. Suas ações, mesmo fora do terreno religioso pròpriamente dito, são ações que o recomendam como alma pura e de nobres sentimentos. Vão dizer, os espíritas, que é natural: todo o espírita dever ser assim. Sei de um que não teve dúvida em abandonar a espôsa, o lar, sete filhos, um dos quais doente do pulmão. "- Na rua, entre seus irmãos de seita, - disse-me um dos filhos - êle se mostrava esplêndido, generoso, cordial. Em casa, por pouco não botava fogo nas camas, à noite. Parecia um verdadeiro demônio. Guardava até alface no cofre-forte”.

Já o Chico não é assim. Sua nobreza de caráter principia em casa. Todos os seus irmãos e irmãs louvam a sua generosa e invariável linha de conduta, protegendo-os, hora a hora, dia a dia, através dos anos, trabalhando como um mouro. Um de seus sobrinhos sofre de paralisia infantil. Atirado a um berço, chora eternamente. Sòmente o Chico vai lá, fazer companhia ao garôto, às vêzes uma noite inteira.
- Chico!
- Que é, meu senhor?
- Você lê muito?
- Não. Só revistas e jornais.
- O outro disse...
-Disse o quê.
- Nada.


Êle nos olha, surprêso, quando a pergunta, como um busca-pé, sai correndo pela sala:
- Você, não pensa em se casar, Chico?
- Eu, casar? (Dá uma gargalhada) - Claro que não.
- Não namora?
- Nunca.
- Por que?
- Não há razões. Não gosto. Tenho outras preocupações. Ora, eu namorando... Tinha graça...
- Chico...
- Que é?
- É verdade que o padre desafiou você para um duelo verbal?
- Êle disse pra eu ir à igreja discutir. Não é lugar próprio.
- Você gosta do padre, Chico?
E êle, o ingênuo e feliz Chico, respondeu:
- Ué, eu gosto do padre, mas êle não gosta de mim.
- Chico...
- Que é?
- Onde estão suas mensagens?
- Um irmão levou tudo, em vista de tantas complicações.
- Você vai ao Rio?
- Até agora, nada resolvemos. Possìvelmente, mandarei uma procuração.

Numa estante, os livros de Chico. Versos de Guerra Junqueiro, Tolstoi e uma porção de autores mortos. Na sala do lado está a mesa onde êle recebe as mensagens. Uma papelada branca, pronta para ser coberta pelas mensagens do outro mundo. Sexta-feira houve mais uma sessão, desta vez presidida pelo chefe do executivo municipal. Humberto de Campos não compareceu mas o Emanuel, guia de Chico, lá estava. Quem é Emanuel? Um romano que existiu na mesma época de Jesus e conta um mundo de coisas interessantes sôbre a terra, naqueles tampos de há dois mil anos.
- Êle dita?
- Vou psicografando as mensagens. Há outros mediuns, como um norte-americano, que ouve as vozes dos espíritos tão alto que os presentes também escutam. Eu ouço. Os outros, que estão perto, não.
- Chico...
- Que é?
- Já teve oportunidade de falar com espírito de homens célebres?
- Homens célebres?
- Napoleão, para dar um exemplo, já falou contigo?
- Que eu saiba, não. Os assuntos bélicos não são freqüentes, nas mensagens que recebo do além. Há seis anos, entretanto, meu guia Emanuel previu os principais acontecimentos que hoje revolucionam a terra. Êle disse: - "A vitória da fôrça é fictícia".
O cavalheiro do Rio acode:
- E o próprio Chico, meses antes, previu a queda da Itália. Êle disse, categòricamente, que a Itália seria a primeira a cair. E a Itália foi a primeira a cair.


Pedro Leopoldo é a cidadezinha de uma rua grande e uma porção de ruas pequenas, convergindo para ela como servos humildes do rio principal. A casa de Chico é a melhor do lugar, mas, mesmo assim, não oferece bastante confôrto. Três quartos, sala e cozinha. O banheiro é lá fora, no fundo do quintal, ao lado do galinheiro. Chico se levanta de madrugada e vai dar milho às galinhas. Depois, sua irmã solteira faz o café, que êle toma com pão dormido, porque o padeiro ainda não chegou. Apanha a pasta de documentos da fazenda federal, e vai andando pela estrada, ainda coberta pela neblina. Volta para almoçar às onze horas. O expediente se encerra às dezoito horas, mas Chico, nestes dias de maior trabalho, faz serão. Sua vida é frugal. "- Quero que compreendam o seguinte: não vivo das mensagens de Além-túmulo. Tenho necessidade de trabalhar para sustentar minha família. Se quase me dedico inteiramente a receber as comunicações, ainda se entende. O pior, entretanto, é a onda de gente que vem do Rio, de São Paulo e de todos os Estados".
- Peregrinos?
- Mais ou menos. Não posso deixar de recebê-los, pois fico pensando que vieram de longe e necessitam meu consôlo. Isto leva tempo, toma tempo. Como se não bastassem essas preocupações, o telefone interurbano não pára dia e noite." - Chico, Rio está chamando... Chico, Belo Horizonte está chamando... Chico, São Paulo está chamando... Chico, Cachoeira está chamando..." Evito atender, mesmo constrangido. Meu Deus! Eu não quero nada, senão a paz dos tempos antigos, o silêncio de outrora. Quero ser de novo aquêle Chico sossegado e tranqüilo que apenas se preocupava com as coisas simples...
- Impossível a viagem de volta...
- Impossível? Não, não é impossível. Eu voltarei a ser aquêle sossegado Chico. Não tenha dúvida.

O repórter imagina, a essa altura, que êle acredita na possibilidade de suas comunicações com o além serem repentinamente suspensas. Vai perguntar ao Chico, mas uma senhora de côr negra entra na sala, carregando um benjamim de olhos assustados.
"- Trago para o senhor, seu Chico..."
Êle segura com trinta mãos, cheio de cuidados, o bebê, e o bebê faz um berreiro dos diabos, agita as pernas, sacode as pernas dentro da prisão dos braços de Chico. Êle sorri e devolve o menino à mãe.
- Meu sobrinho - explica o profeta Chico - é nervoso e fica dêste jeito. Sabe por que? Êle sofre de paralisia infantil.
- Não tratam dêle?
- Não temos recursos. Já deixei claro que não recebo um centavo pelas edições dos livros que me chegam do além. Assino um documento autorizando a livraria da Federação Espírita Brasileira a editá-los e, sòmente após ficarem impressos, recebo uns cinco ou dez exemplares, para dar aos amigos. Vamos atravessando a sala e entramos num dos quartos. Na parede, prateleiras repletas de livros. Remédios à base de homeopatia, que Chico recomenda. Não sei porque os espíritos manifestam estranha aversão pela alopatia e suas drogas, receitando sempre combinações homeopáticas. Perto dos vidros, um armário cheio de livros. As obras de guerra conta a Santa Sé, assinadas por Guerra Junqueiro, ainda em vida. Os livros de Flammarion e de Alan Kardec, mas não os psicografados, misturados com volumes de propaganda anticlerical. Na parede, dependurado, um velho pandeiro.
- Quem toca pandeiro nesta casa?
Chico sorri o sorriso beatífico e diz que não é êle.
- Alguns espíritos?
O sorriso beatífico desaparece.
- Os espíritos não tocam pandeiro.

Saímos para a rua, hoje, sábado movimentado. O povo de Pedro Leopoldo passeia diante da Igreja que domina de forma esquisita a casa do humilde psicógrafo que Clementino de Alencar, certo dia, foi roubar de sua vida serena há dez anos. Hoje, Pedro Leopoldo é a Jerusalém do credo de Kardec. Já tem hotel e telefone. O povo de lá, por estranho que possa parecer a quem não conhece pessoalmente o nosso amigo Chico, revela invariável amizade. Será orgulho pela celebridade que êle deu ao município? Sim, porque antes de Chico, Pedro Leopoldo nem existia nos mapas de Minas Gerais. Gostam dêle, de seus modos, de sua cara asiática, onde um dos olhos empalideceu sùbitamente, como um farol apagado em pleno caminho da luz. A cidade tem uns treze mil habitantes, contadas as aldeias próximas, mas, espíritas, uns quatro ou cinco. Todos apreciam Chico, gregos e troianos. Gostam, mas preferem não rezar o seu catecismo. Êle não se importa. Não procura convencer ninguém à fôrça de seu estranho e discutido poder. Quando a carta precatória, intimando-o a depor, chegou a Pedro Leopoldo, Chico leu devagarinho e abanou a cabeça. - "Eu não posso mandar uma intimação judicial às almas!" E não deu mais importância ao caso.

Até à volta, sereno Chico. De tôdas as pavorosas complicações, você é o menos culpado. Parece uma caixa de fósforo num mar bravio. Uma velha beata de Pedro Leopoldo me disse que isto é castigo: - "Castigo, sim, nhô moço... Antão, êle telefona pro inferno e manda chamar os espíritos e depois num quer se aborrecer?"

Já o trombonista de Pedro Leopoldo deve pensar diferente: - "Por que será que o Chico só sabe receber mensagens escritas? Por que não recebe músicas de Beethoven, de Chopin, de Carlos Gomes?"

Êle, o moço amável de Pedro Leopoldo, não dá maior atenção aos comentários e vai levando como pode a sua vida. É pena, entretanto, que êle não tenha as qualidades artísticas que vão além do terreno literário. Se fôsse assim, Pedro Leopoldo teria, senhores, não apenas o psicógrafo Chico, mas também o músico Chico, o pintor Chico, o profeta Chico. Isto mesmo: o profeta Chico.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

DIA DO ADVOGADO!

Quanto mais mergulho nas águas térmicas da militância jurídica, mais me apaixono por esse caloroso e fascinante múnus. A cada dia me convenço, com humildade e alegria, que é uma arte o exercício da advocacia.

Ressalto duas das maiores companhias que um correto operador do direito carrega em seu alforje laboral: a incompreensão e a independência.

Ah! A incompreensão... Quantas vezes o advogado não se depara com ela. Outro dia, vi uma humilde senhora atrás dos módicos honorários que havia pago ao causídico porque a decisão do juiz não lhe tinha sido favorável. Ora, ao contratar um profissional, você o remunera pelos serviços prestados e não pela decisão emanada do juiz. O advogado não pode negociar a sentença – até porque a lavratura desta é tarefa do magistrado, e não dele. Tal qual o médico que ganha pela cirurgia que realiza, jamais pela garantia da cura, o advogado também há de ser recompensado pela força de trabalho despendida e não pelo resultado desta.

Ah! A incompreensão, velha e inseparável companheira do operário da Justiça... Quantas e quantas vezes, envolvido pela causa que patrocina, apaixonado pelas teses que há de esposar na cizânia, guerreando contra o calendário implacável dos prazos processuais, o advogado priva-se do repouso rejuvenescedor enquanto o cliente dorme tranqüilo sono. Quando reluzem os loiros da vitória, dificilmente se reconhece a devoção obstinada e a coroa de espinhos que o advogado carregou.

Demais disso, se há um adorno de qualidade que os discípulos da deusa Thêmis devem cuidar com zelo superior, este é o da independência. Diz o Estatuto da Advocacia: “O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância. Nenhum receio de desagradar o magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão” (artigo 31 da Lei 8.906/94).

Rui Barbosa, após cinqüenta anos de serviços à causa da justiça, em sua famosa ‘Oração aos Moços’, como o bom vinho decantado pela maturidade, brindou-nos com o alicerce da altivez: “Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa de causas impopulares, nem às perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com a imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem”.


Gestos ousados, atitudes corajosas. Mais do que nunca, os tempos atuais, em que os castelos de sonhos de velhas utopias ruíram, os advogados precisam praticar ações que enobreçam e dignifiquem a mais bela das profissões.

Sobremaneira, mantenhamos acesa a lição de Jean Giradoux: “Não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito. Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um jurista interpreta a verdade”.


(Júnior Bonfim)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

CONJUNTURA NACIONAL

O passarinho do senador

Quando senador pelo RN, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. "Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho". De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. "Escola está assegurada. Mande-me o croqui (esboço da obra)". Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. "Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza!"

Historinha narrada em "Só Rindo 2", por Carlos Santos, a quem, desde já, agradeço pela remessa dos dois livros que contam "causos" do Rio Grande do Norte.

Intimidades

Conta Jorge Elias, cronista de política internacional do diário argentino La Nación, em seu livro Intimidades y Manias de Los que Gobiernan: "Carla Bruni e Sarkozy casaram-se em fevereiro de 2008. Certo dia, no Palácio de Windsor, o casal fez a Rainha da Inglaterra esperar mais de meia hora. Qual teria sido a causa? Tempos depois, Carla confidenciou a Michelle Obama, mulher do presidente Barack Obama, que ela e o marido deram o cano, por meia hora, em uma personalidade internacional, sem revelar, porém, sua identidade. A razão? Estavam fazendo amor. Michelle ficou pasma com a pergunta que Bruni soltou depois: 'e vocês nunca tiveram um caso semelhante'?".

Sombras sobre o mundo

O mundo volta a ser coberto por sombras. As Bolsas de Valores apavoram investidores. As grandes interrogações invadem os espíritos: estamos adentrando o espaço de uma nova crise? Esta crise será mais devastadora do que a de 2008? Enquanto as questões se impõem sob um panorama de dúvidas, algumas inferências podem ser feitas: os Estados Unidos terão de fazer esforço extraordinário para evitar a débâcle. No horizonte, a elevação da autoestima dos cidadãos. A maior democracia do planeta não pode passar a ideia de corrosão, declínio, derrota. Crescimento do país será pequeno, coisa de 2% a 2,5% nos próximos anos. Mas haverá sempre uma luz no fim do túnel.

Europa na cadeia

As pedras do dominó estão enfileiradas. Grécia já está no corredor escuro da crise. Espanha, Itália, Portugal e Irlanda estão na fila. Alemanha, com sua economia forte, apresenta-se como fortaleza de abrigo. Até quando? Caindo uma pedrinha, a outra não ficará em pé. A previsão é a de que o dominó caia até a última pedra. Não há no mar revolto nenhum espaço que possa guardar águas tranquilas. O planeta é interdependente. As fronteiras estão imbricadas. Procura-se uma luz. Um caminho. Uma rota.

O Brasil mais firme?

A garantia é geral: o Brasil possui fundamentos macroeconômicos para superar mais esta crise. Ninguém, contudo, deve se surpreender se a crise também por aqui começar a afetar o bolso dos consumidores. Vejamos esta pequena fresta: a China, maior credor dos EUA, vê a situação destrambelhar. Entraria em parafuso. Baixaria a montanha de commodities brasileiras que importa. Ou seja, continuará a comprar minério de ferro e alimentos, mas não na quantidade anterior à crise. Significaria diminuição de nossa conta de exportação. Cofre menos cheio. Cortes de programas fundamentais, inclusive nas frentes sociais.

Efeitos

A leitura de um cenário abrigando tais vetores mostra aperto no bolso do consumidor brasileiro. Lembre-se que, na crise de 2008, o país suportou o trauma com muito consumo interno. Esta foi a receita de Lula. Que deu certo. E agora? Teremos grana para continuar a consumir a torto e a direito. O ministro Guido Mantega começa a bater na tecla: o consumidor deve ter cuidado. Precisa controlar o consumo. Poupar. Fazer reservas para enfrentar tempos de vacas magras. Portanto, a alternativa para enfrentar a crise, pelo que se infere, já não comporta os mesmos ingredientes do passado. Mesmo assim, as perspectivas apontam para um país que não sofrerá tanto quanto outros os danos irreparáveis de um tsunami.

Porém...

Há um porém: menos dinheiro no bolso poderá significar estômago mais apertado. Sensação de fome. Que causa raiva, indignação, contrariedade. Vamos aos que interessa: o caminho do voto. E a rota é esta : o voto entra pelo bolso, espalha-se pelo estômago em forma de alimento para sustentar o corpo, sobe ao coração (quando gera emoção) e, por último, pega o elevador para chegar à cabeça. O coração dará um voto de agradecimento quando o bolso puder pagar a conta do alimento. Ou dará uma banana de repulsa a certos candidatos quando o bolso estiver vazio. Este processo se consolida no estágio da cabeça, quando o eleitor disseca todas as possibilidades, analisa, julga, e acaba tomando a decisão (racional) de votar em quem representará sua esperança.

Hotéis em alta?

Até 2014, a hotelaria deverá despontar e o entusiasmo não é apenas motivado pela Copa do Mundo. É que o setor vive, atualmente, uma conjuntura bastante favorável. Pelo menos 200 novos hotéis devem ser construídos até lá, demandando um montante de mais de 7 bilhões de reais em investimentos. A maioria desses novos empreendimentos está fora de destinos litorâneos ou ligados a lazer. "Até janeiro de 2012 devemos inaugurar uma nova unidade em Porto Velho, onde o turismo de negócios é forte", diz Julio Serson, presidente do Grupo Serson - rede que, atualmente com cinco hotéis, opera em São Paulo, Maranhão, Pará e Rondônia.

Prócer e liderança

Auxiliar direto do governador Dinarte Mariz, Grimaldi Ribeiro apresenta-lhe outro político interiorano no Palácio Potengi. "Este é um prócer político do Trairi". Noutra oportunidade, utiliza vocábulo diferente. "Governador, esta é uma liderança política da região Oeste". Intrigado com as constantes distinções, mas sem captar a sutileza da separação, o arguto Dinarte interpela Grimaldi. "Por que uns são próceres e outros, lideranças"? Professoral, Grimaldi justifica: "Governador, prócer só tem pose, e liderança é que tem voto".

Carlos Santos em seu livro "Só Rindo 2".

Mulheres no comando

As empresárias pouco a pouco ganham mais espaço nos setores de prestação de serviços terceirizáveis e de trabalho temporário. Já lideram 35% das empresas associadas ao Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário do Estado de São Paulo (Sindeprestem).

Haddad quebra resistências

Fernando Haddad, ministro da Educação, quebra resistências no PT. Candidato de Lula à prefeitura paulistana, Haddad começa a aparecer nos circuitos pré-eleitorais. Ainda encabulado. Marta Suplicy não deixa por menos: se Lula quer perder, deverá ir com ele. As prévias partidárias deverão ser debatidas no 4º Congresso do PT, em setembro próximo.

Prévias no PSDB

Já no PSDB, Geraldo Alckmin patrocina as prévias. O candidato a prefeito sairá dessa consulta que os tucanos farão às bases do partido. O governador paulista só não defende prévias se José Serra se habilitar a ser o candidato.

Dois lançados

Os candidatos já lançados são dois: o deputado Gabriel Chalita, pelo PMDB, e Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da OAB/SP, pelo PTB.

Crises em série

O governo Dilma atravessou o mar borrascoso dos tempos de Antonio Palocci. Entrou, a seguir, nas águas tempestuosas que engolfaram o ministro e o Ministério dos Transportes. Atravessa, agora, um oceano agitado na área da Agricultura. Mas o ministro Wagner Rossi, de pronto, agiu para restabelecer a calma. Saiu o secretário-executivo. As coisas tendem a se ajustar. E, de repente, mais um estouro nos canais do Turismo. 38 pessoas envolvidas numa situação embaraçosa. Que começou com emendas de uma deputada do Amapá, no valor de R$ 9 milhões, favorecendo um Instituto, o Ibrasi, em contratos com o Ministério do Turismo para capacitação profissional. Mazelas de nosso sistema político/governativo.

Perfumarias

O primeiro-ministro da Irlanda, Bertie Ahern, chegou a gastar 27 mil euros por ano em hidratantes, cosméticos e esfoliantes. Tony Blair chegava gastar 1.500 euros em produtos semelhantes. Sua mulher, Cherie Blair, colocou na conta do Partido Trabalhista 11.242 euros gastos com cabeleireiro. É o que conta o jornalista Jorge Elias, de El Nación.

O consultor Serra

José Serra abriu uma consultoria. Palestras e eventos estão no portfólio da empresa. Mas passa o tempo fazendo contatos. Visitando uns e outros. Amigos novos, amigos antigos e até quem é, hoje, seu adversário. Marca visitas e comparece. Atenuou a empáfia. Está mais leve, dizem. Mas, quem conhece bem Serra, avisa: Serra só ouve Serra.

São Paulo mais seguro

A segurança privada quer deixar São Paulo mais seguro. Levantamento do Sesvesp (Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado de São Paulo) mostrou que o Estado de São Paulo criou mais de 19 mil empregos formais para vigilantes, de 2010 para 2011 - totalizando mais de 167 mil postos. Cada vez mais, o exército da segurança privada chega próximo do efetivo da segurança pública. O número de empresas, no entanto - cerca de 400 - ficou quase estagnado. Não fosse a clandestinidade e atuação canibalesca de empresas inidôneas, o setor seria mais sólido. E seguro.

Jobim com dengue

Nelson Jobim não foi à posse de Celso Amorim no Ministério da Defesa. Estaria chateado, segundo as versões correntes. A chateação até pode existir. Mas o motivo da ausência é outro: está com dengue. Pegou a doença na recente visita ao Amazonas. Lá esteve com o vice-presidente Michel Temer e o ministro Moreira Franco.

Classe média

E por falar em Moreira Franco, sua Secretaria de Assuntos Estratégicos realizou o mais amplo e profundo estudo sobre a classe média no Brasil. Trata-se de um estudo que capta a dinâmica nesse ciclo de inserção das margens no meio da pirâmide social. Moreira fez, esta semana, uma apresentação para a presidente Dilma. Fará, nos próximos dias, a apresentação da pesquisa na FIESP, a convite do presidente Paulo Skaf.

Skaf: por energia mais barata

E por falar em Paulo Skaf, vale lembrar seu esforço para baratear o custo da energia no Brasil. Com essa intenção, tem batalhado nas frentes institucionais - Executivo e Legislativo - defendendo novos leilões para concessões no setor da energia, temendo que a simples renovação dos sistemas - produção e distribuição de energia - acabe preservando o status quo. Nos últimos 5 anos, o preço médio da energia elétrica no Brasil subiu 118%; no setor industrial, esse aumento foi de 160%. Skaf defende novas licitações das usinas geradoras a partir de 2015, argumentando que a economia gerada com os novos leilões poderá chegar a R$ 904 bilhões em 30 anos. Lembra ser preciso excluir do custo de energia o valor cobrado pela amortização dos investimentos nas usinas. Elas já estão amortizadas. Com a exclusão da amortização, o valor da energia cairia cerca de 80% nesse lote.

Ayres Britto

Carlos Ayres Britto, ministro do Supremo Tribunal Federal, é um dos perfis mais interessantes e diferenciados dessa nossa República. Sábado último, este consultor teve a oportunidade de usufruir de momentos agradáveis na companhia do humanista, durante almoço na residência do vice-presidente da República, Michel Temer, em Brasília. Britto fazia acalorada defesa das instituições republicanas, detendo-se, particularmente, na liberdade de imprensa. Mesmo que a imprensa se equivoque, erre, cometa injustiças, não poderá ser censurada. Esse é seu pensamento. Leitor fiel dos textos deste articulista, no Estadão, aos domingos, o bom poeta e jurista brindou a todos com seus conhecimentos sobre o ideário das liberdades e do humanismo.

Lição de Maquiavel

O velho Maquiavel ensina : "nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas".

Conselho ao ministro da Justiça

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos órgãos de controle. Hoje, sua atenção se volta ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo:

1. O ciclo da espetacularização da Polícia Federal deu muito o que falar. As operações pareciam, antes, combinadas com veículos de comunicação. Autoridades eram flagradas em suas residências nas madrugadas e retiradas, presas, ainda em trajes de dormir.

2. Se esse ciclo ajudou a popularizar o governo da ocasião, contribuiu, por outro lado, para borrar a moldura ético-democrática que impregna o sistema republicano. O Brasil não pode e não deve ressuscitar métodos e gestos que possam atentar contra o Estado Democrático de Direito.

3. A Polícia Federal deve continuar a investigar os porões da corrupção, cumprindo a missão a ela atribuída pelos órgãos de controle social. Sua missão, porém, deverá ser conduzir dentro dos parâmetros da legalidade, obedecidos preceitos éticos e morais. E, sobretudo, pelo atendimento ao bom senso.



(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

MORREU ANTONIO IRISMAR FROTA


Com muito pesar registro o falecimento, aqui em Fortaleza, do octogenário crateuense Antonio Irismar Frota.

Tinha por ele uma especial afeição. Foi o Padre Irismar Frota o presidente da cerimônia religiosa em que recebi o sacramento da primeira eucaristia. Naquela manhã memorável de 1972, vestido numa roupa branca como a mandioca pura, recebi minha primeira comunhão e recitei uma poesia. Mais do que decorar rezas e versos, havia descoberto a irresistível luz que arrasta o homem para o território transcendental. Ainda hoje, os pilares da poesia e da religião são os principais sustentáculos do meu edifício pessoal.

Mês passado eu havia escrito, em sua homenagem, a seguinte crônica:



Por detrás daquele olhar ligeiramente grave, daquela imponente compleição, daquele imenso bloco monolítico de aparente sisudez, se esconde um manancial de ternura – que, no decorrer da convivência, se revela uma cascata de afabilidade, uma colossal cachoeira de bom humor. Assim é o octogenário garoto Antonio Irismar Frota, um crateuense do bem. Encontro-me com ele em um junino domingo, na sua arejada residência em Fortaleza. Ao lado de dona Mirian, esposa inseparável e imantada amiga, defronte a uma gruta em louvor a Nossa Senhora e com um terço na mão, ele começa o diálogo abrindo literalmente o coração. Mostra que carrega um dispositivo eletrônico micro processado de alta tecnologia, o popular marca passo. Quando foi colocá-lo, o médico estranhou o fato de possuir na região torácica uma cicatriz incomum. É a primeira grande marca que carrega da infância. Menino traquino nos campos do Riacho Seco - localidade em que veio ao mundo, na área limítrofe de Crateús com Novo Oriente – sofreu uma enorme queda de uma árvore e quebrou uma vértebra. Com medo da censura paterna, amargou solitariamente aquela dor.

No ano de 1930, em que nasceu, era desejo comum e motivo de orgulho de toda família encaminhar um dos seus brotos para o altar sacerdotal. Foi assim que o irrequieto menino do seu Anízio foi destacado para iniciar os estudos teológicos no Seminário da Betânia, em Sobral, e depois concluí-los no Pontificio Collegio Pio Brasiliano (Pontifício Colégio Pio Brasileiro), em Roma, na Itália. Apesar da litúrgica e formal atmosfera, nunca perdeu o dínamo sertanejo: estudou muito e andou a Europa inteira. Em 1957, foi ordenado. Celebrou a primeira missa nas Catacumbas de São Calixto, na Via Apia, região central de Roma, ponto de intensa visitação turística.

Com as vestes talares no corpo e o talo realizador na alma, Padre Irismar Frota retorna à terra natal. Assume a vaga deixada pelo Padre Fernando Frota. Como que determinado a seguir o conselho de Rui Barbosa - “a suprema santificação da linguagem humana, abaixo da prece, está no ensino da mocidade” – começou um lavor fecundo no seio da juventude crateuense. Atrás da Igreja, abriu uma casa, denominada Betânia, para onde moças e rapazes acorriam ao fim da liturgia eucarística. Era um saudável centro de cultura, lazer e entretenimento, com música, jogos de salão, biblioteca etc.

Visando a acender nos jovens a lâmpada da consciência política e social, animou a JEC (Juventude Estudantil Católica), a Cáritas Diocesana e o Movimento de Bairro. Convocava os fiéis para construir o Reino de Deus nesta terra, através do amor solidário ao próximo. Liderava o rebanho católico em mutirões para construção de casas. Pregava e provava que era possível “construir uma casa por dia”. Após a missa dominical, reunia os homens sob o regime de mutirão e, com um taco na mão, estimulava a todos a cumprir a meta. Quando alguém titubeava, ele mostrava o taco e dizia com desfastio: ‘se fraquejar, eu taco o pau’.

Essa sensibilidade social o fez protagonizar uma cena interessante. No auge da ditadura, os admiradores de Luis Carlos Prestes costumavam homenageá-lo no dia 03 de janeiro, data de aniversário do lendário Capitão. Certa feita os muros da cidade amanheceram pintados com loas ao Cavaleiro da Esperança. Meu parente Padre Bonfim, anticomunista ferrenho, usou o púlpito para proferir um veemente sermão clamando providências das autoridades. Pouco tempo depois, foram para detrás das grades Ferreirinha, João Aragão e João da Bela. Segundo o vulgo comentava, Ferreirinha era o cabeça; João Aragão, o pintor e João da Bela segurara o balde de tinta. Padre Irismar resolveu ir visitar os presos. Ferreirinha já estava sendo liberado. O Padre lhe oferece carona. Ao ver a cena, o povo exclamou: “Quer dizer que um padre prende e o outro solta?!”...

Dentre outros motivos, foram as intrigas que plantaram entre os dois sacerdotes e, sobremaneira, desentendimentos na equipe paroquial, que motivaram sua saída de Crateús. Antes, foi ao Chile fazer um curso. E os mexericos continuaram. Em 1973 resolve se licenciar e passar uma temporada em Manaus. De lá, troca correspondência com a amiga Mirian Monteiro. Um dia, vem a Fortaleza e desabafa. Temia a solidão... Ela se lembrou da frase de João VI para D. Pedro e concluiu: “antes que alguma aventureira lance mão desta jóia, eu o farei”. E no ano chuvoso de 1974 subiram ao altar para selar, sob as bênçãos de D. Fragoso, o sacramento do matrimônio. Têm dois filhos: Suzana Lourdes e Norberto Anízio – assim batizados em homenagem aos avós, maternos e paternos. Ela, fisioterapeuta em Sobral; ele, médico neurologista na capital. Ambos são também professores universitários. E, segundo os pais, pessoas maravilhosas.

Indago-lhe qual a reflexão que faz dessas oito décadas de existência. Primeiro brinca: “Estou pronto para ir quando o Senhor me chamar. Mas... não quero ir tão cedo.” Depois pontua: “Deus foi positivo comigo. Deu-me uma vida abençoada. Sou feliz pela esposa e filhos que tenho”. Descobriu o sentido da nossa passagem neste vale terreno - que não precisa ser um vale de lágrimas, mas de alegria – em especial quando se vive em sintonia com o Altíssimo, fazendo o bem ao próximo, encarando o dia a dia com leveza e, sobretudo, bom humor. Charles Chaplin, engenheiro do riso e um dos maiores gênios da alegria humana, proclamou: “o bom humor está um degrau acima da inteligência!” Antonio Irismar Frota vê o mundo desse degrau superior!


(Júnior Bonfim, na Revista Gente de Ação e no Jornal Gazeta do Centro Oeste)

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Os olhos, de novo, voltarão à Europa

Os EUA tiveram sua rodada de más notícias completadas, nesta fase, nas últimas duas semanas. Agora, o mundo vai observar como os europeus, desorganizados e desunidos, tratarão suas mazelas. Há considerável possibilidade de que as recentes lições sirvam de exemplo e, assim, Espanha e Itália possam sair da linha de tiro dos investidores internacionais. Ficará claro, a partir de agora, o vergonhoso papel que os europeus exerceram sobre a crise grega, sobretudo a Alemanha, sabedora dos impactos que iria gerar. Será preciso controlar os riscos de crédito para depois, quem sabe, tratar da tragédia que recai sobre o setor produtivo das economias. A chance para a União Européia é aprofundar a integração. O problema é como fazer isto quando eles não falam a mesma língua, literalmente.

A China é um grande risco

Não nos iludamos. A acusação chinesa de que a América é muito endividada procede. É o "óbvio ululante". Será a democracia a resolver esta realidade, na base do voto e do suor da grande nação do ocidente. Do lado chinês a coisa é bem pior: o país vive do dumping social, da ausência de condições de trabalho de grande parte de sua massa trabalhadora, da falta de liberdade política e social e das práticas comerciais que levam ao barateamento de sua produção. Os chineses nem sequer ajustaram sua taxa de câmbio para evitar o aguçamento da crise estrutural por qual passa o globo. Agora, ficará evidente que a China vive do abuso de consumo dos norte-americanos que se endividam com terceiros para comprar e comprar. Deste modelo, pacificamente participam os chineses. Os efeitos da desaceleração econômica recairão sobre a China e por lá não há democracia para estabilizar o sistema econômico. Vale a política da repressão. Este risco ainda não surgiu no horizonte, mas há de nascer como um poente para os preços inflacionados, incluindo as nossas commodities.

Brasil, chance estratégica pode ser perdida

O Brasil tem a oportunidade histórica de se sair melhor após esta crise. Sua situação fiscal não é deplorável como os países centrais, e sua posição externa é bem mais estável. É certo que a atividade econômica sofrerá os efeitos da queda de preços no exterior, sobretudo das matérias-primas que vende para que os outros as industrializem. Todavia, o país nos próximos dez anos deveria aumentar o grau de conteúdo tecnológico na produção industrial e reformar sua infraestrutura, além de cumprir a "velha" agenda relacionada com a educação, saúde e previdência. Bem, o que se vê é um Estado ainda despreparado para cumprir esta tarefa estratégica e, do ponto de vista conjuntural, câmbio completamente fora de lugar e, ao seu lado, os maiores juros da face da Terra. A corrupção e os desmandos na área política também compõem este misto de rara oportunidade estratégica e absoluta falta de autoestima com suas próprias possibilidades.

Efeitos sobre o mercado ainda incipientes

Não podemos ignorar o fato de que a crise externa ainda não contaminou nossa economia. Estamos ainda na fase primeira deste processo. Ou seja, ninguém deveria acreditar que a queda recente da bolsa de valores local e os efeitos já ocorridos no campo dos juros já passaram. Nada disso. O ciclo negativo se iniciou há cerca de três meses, conforme alertamos aqui neste espaço, e deve se propagar mais nos próximos meses. Não nos arriscamos a prever uma espiral negativa profunda, mesmo que esta possa ser provável. Que a trajetória é claramente negativa, não resta dúvida. Portanto, reforçamos nossa mensagem de prudência para os investidores e para o setor real. É preciso não sucumbir ao dia a dia do noticiário, sob pena de se adotar o comportamento esquizofrênico que o "tal do mercado" assume em momentos como o que estamos passando.

Sem nos precipitarmos...

Podemos dizer neste momento que a recessão que deverá vir pela frente na economia mundial tem tudo para ser mais profunda e mais longa que a de 2008. O sistema financeiro mundial está em frangalhos, as políticas keynesianas já foram implementadas e provocaram enormes crises fiscais e os investidores (da economia real e do mundo financeiro) estão mais céticos. Estas são das poucas (e relevantes) razões para evidenciar o difícil período que virá. O que falta mais? A política, os políticos e suas estruturas não estão preparados para liderar um New Deal que possa engendrar a solução dos problemas estruturais da crise atual. Infelizmente, Obama não é Roosevelt e o Congresso dos EUA já deu provas que virou suas costas para as novas gerações e mira nas próximas eleições. Na Europa, os alemães, mais uma vez, provam que em matéria de assuntos continentais seu papel é deplorável. Por fim, temos a China e sua ditadura, pronta a dar lições para o mundo, sem que isso seja exemplo crível para ninguém.

Dilemas econômicos

A turbulência econômica no mundo, que ninguém sabe onde vai parar nem quanto vai durar, parece ter embaralhado de vez a cabeça econômica do governo Dilma. Há pessoas internas que acham que o governo terá de aprofundar o ajuste fiscal e elevar mais os juros para se prevenir da "marolinha" que está no ar. Há outros, que pensam o contrário : terá de reduzir juros, ampliar gastos oficiais, afrouxar o controle de crédito, mesmo receituário adotado com sucesso em 2008. Certo, ao que se sabe, é a ordem da presidente : não se sacrifica o crescimento. Não se pode também deixar a inflação desgarrar, e a renda e o emprego caírem. Como as principais variáveis da crise não estão em águas territoriais brasileiras, o como e quando agir é o grande dilema da turma do ministro Mantega. Mas justiça se faça : a dúvida é do planeta e quem diz que sabe o que vai acontecer, seguramente está muito mal informado.

Cuidado com o chamado rally de alta

É muito comum os investidores olharem as cotações de hoje e repararem que estas estavam bem mais altas há poucas semanas. A tentação de comprar ativos é grande... Todavia, os movimentos de recuperação, embora muitas vezes vigorosos, são um caminho que muitas vezes obscurece a verdade dos fundamentos. Neste sentido, movimentos de alta no curto prazo devem ser oportunidades de venda e não de compra. Isto exige enorme disciplina. Assim.

PMDB: geléia real ou mel diluído?

Jactam-se os peemedebistas, pelo menos para o consumo externo, de que agora, com Dilma, o PMDB é um partido no poder, e não apenas um aliado de segunda categoria. Verdade? Não é o que parece, haja vista:

1. O vice-presidente Michel Temer, o símbolo desse novo "poder", não participa das decisões cruciais, é comunicado a posteriori.

2. O Conselho Político, no qual o partido adquiriu assento, faz reuniões formais. O que importa é definido por Dilma, solitariamente, ou em pequenas audiências nas quais o PMDB não tem presença.

3. Num dos ministérios ditos do partido, o da Defesa, Nelson Jobim entrou e saiu sem consultas partidárias. E agora ainda voou em direção a um neopetista.

4. Outro ministro peemedebista, Pedro Novais, do Turismo, é ex-ministro desde a posse, só o PMDB e ele mesmo não se deram conta disso.

5. Moreira Franco, amigo do peito do vice-presidente Temer, ocupa uma pasta que se desaparecer ninguém notará, nem a presidente Dilma.

6. Wagner Rossi, da Agricultura, entrou na linha de tiro dos aliados. Se sobreviver, será de muletas. Se o PMDB ficar com o Ministério, será sob atenta observação palaciana.

7. Edison Lobão no ministério das Minas e Energia é ministro de meio expediente, não toma nem cafezinho sem ser monitorado pela própria Dilma ou por um dos auxiliares que ela lá pôs.

8. Da lista de mais de 40 nomes que o PMDB apresentou para cargos representativos no segundo escalão, lista que começou nas mãos de Palocci e passou para as "fraquinhas" de Ideli Salvatti, nenhum ainda frequentou o "DOU".

O PMDB pensa que é geleia real. Está mais para mel aguado.

Coisas de amigos

Não há a menor dúvida: a saraivada de denúncias (caso Jobim é negócio separado) que há mais de três meses mantém o governo Dilma em constante ebulição, tem de fato origem nas próprias forças governistas. A maior parte dos dedos aponta para o PT, mesmo no caso Palocci. Por isso, avalia-se no Congresso que a qualquer momento pode surgir um torpedo em direção a um petista, como troco. Quando surgir, vai bater em poucos dias numa CPI no Senado, com folgas de assinaturas.

Um peso, duas medidas?

Está o mundo de olho na forma como a presidente Dilma vai se comportar nas denúncias envolvendo o ministério da Agricultura e a Conab, já apelidada de "o DNIT do PMDB". Vai ficar apenas na demissão do Jucazinho e do secretário executivo do ministério, ou vai acionar também sua máquina da faxina, sem olhar a quem? Se o tratamento for distinto do dado ao PR no ministério dos Transportes, sem justificativas plausíveis, vai ficar explícita a dependência do governo ao PMDB.

Militares e diplomatas

Em princípio, parece uma temeridade a escolha de Celso Amorim para o ministério da Defesa. Um não tem nada a ver com o outro. A experiência dos militares com o diplomata José Viegas, extraordinário profissional, foi desastrosa. Mas Amorim tem o espírito maleável e isso pode ajudar. Mas ele terá de ter um trunfo na manga - quem sabe a recomposição das verbas orçamentárias que Nelson Jobim estava renegociando - para começar a conversar. A escolha de Amorim denota outra coisa: a falta de opções no quadro político oficial de quadros para os postos mais delicados.

Equívocos do marketing

Os marqueteiros palacianos armaram os palanques para fazer do "Programa Brasil sem Miséria" uma plataforma positiva para a presidente Dilma. Gorou por causa do episódio Palocci e também porque o programa é genérico demais. Em seguida, preparam o lançamento do Brasil Maior com o mesmo objetivo. O plano também está gorando, em parte por causa das crises Jobim/Conab, mas também porque o programa foi considerado, no mínimo, fraco pelos analistas e empresários, com raras exceções. Boas embalagens não são suficientes na maioria das vezes. O conteúdo é essencial.

Um banco privilegiado

O "Brasil Maior" vai jogar mais recursos do Tesouro nos cofres do BNDES, para aplicações subsidiadas, às custas dos contribuintes. Os ministros econômicos haviam avisado que esta fonte para o banco estatal havia se esgotado, mas o pacote de Dilma mudou os conceitos de Mantega e cia. O que reforça um movimento da oposição para criar no Senado uma CPI sobre o assunto. Dizem os oposicionistas que já têm 22 assinaturas para ela, das 27 mínimas necessárias. Pode ser por aí o susto que muitos governistas querem dar no Planalto.

Nada de marolas

Com tanta confusão, a orientação oficial é evitar a todo custo pôr em votação qualquer projeto mais polêmico na Câmara e no Senado. A tarefa é facilitada pelas MPs que trancam as pautas das duas casas e porque Marco Maia e José Sarney, responsáveis pela agenda de votação, não são de contestações. Sarney não botará em votação, se não houver acerto com o Planalto, nem o projeto de autoria dele mesmo modificando as regras de tramitação das MPs.

Mas o boicote não pode durar muito

O governo sabe, porém, que não pode segurar o Congresso em "banho-maria" por muito tempo. Até porque tem coisas vitais de seu interesse para votar e que demanda negociação. É o caso da prorrogação da Desvinculação das Receitas da União, a ser extinta no fim do ano. O mecanismo permite o governo gastar como quiser 20% das receitas obrigatoriamente destinadas a áreas como saúde, educação. Sem ela, a administração do Orçamento, extremamente engessado, torna-se complicada. Ela nasceu ainda no governo FHC, com o nome de Fundo Social de Emergência.

Tesouro reforçado

A propósito de um ajuste conjuntural aqui, um ataque a um problema surgido na economia acolá, o governo vai reforçando discretamente seu caixa. Nos últimos meses, anotem, foram elevadas as alíquota do IPI das bebidas, o imposto dos cigarros, o IOF nos cartões de crédito, nos derivativos cambiais, nos financiamentos habitacionais, no crédito ao consumo, sobre ingressos de capital externo e, por fim, a alíquota da Cofins e do PIS sobre alguns produtos importados. De grão em grão, o Tesouro vai enchendo o papo.


(Por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

RELEMBRANDO O IRMÃO DO HENFIL

"A alma da fome é política!" A afirmação de Herbert José de Souza - o Betinho - nada tem de enigmática. Ela ilustra exemplarmente uma vida de lutas, de empenho e de trabalho pela cidadania e pela vida.

Herbert José de Souza foi o terceiro filho de uma família de oito irmãos, entre os quais o cartunista Henfil e o músico Chico Mário.

Sua infância foi marcada por fatos incomuns. Já nos primeiros dias de vida, teve hemofilia, uma doença no sangue que impede a coagulação.

Passou oito anos morando numa penitenciária, onde seu pai trabalhava.

Herbert de Souza começou a sua militância política na Juventude Católica, em Belo Horizonte. Estudou na Universidade de Minas Gerais e formou-se em sociologia em 1962. Trabalhou depois no Ministério da Educação e Cultura e na Superintendência de Reforma Agrária.

Depois do golpe militar de 1964, Betinho engajou-se na resistência contra a ditadura. Passou sete meses no Uruguai e depois, de volta ao Brasil, foi trabalhar como operário na cidade paulista de Mauá.

Em 1971, Herbert de Souza partiu para o exílio. Morou em diversos países. No Chile, deu aulas na Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais e assessorou o presidente Salvador Allende, deposto em 1973 pelo general Augusto Pinochet. Escapando da ditadura chilena, Betinho exilou-se no Canadá e depois no México. Fez doutorado e foi professor na Universidade Autônoma do México.

Com a anistia política, em 1979, Herbert José de Souza retornou ao Brasil. Tornou-se um dos símbolos da resistência política. Dois anos depois, fundou o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).

Herbert de Souza foi um dos primeiros intelectuais a advogar em favor das organizações não-governamentais, que não dependem do estado nem da iniciativa privada. Foi também um dos fundadores da campanha nacional pela reforma agrária.

Em 1990, o movimento Terra e Democracia, que Betinho liderava, reuniu no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, milhares de pessoas para lutar pela democratização da terra.

Herbert de Souza teve confirmado o diagnóstico de sua contaminação pelo HIV, o vírus causador da Aids, em 1985, contraído numa de suas inúmeras transfusões de sangue no tratamento da hemofilia.

No ano seguinte, fundou a ABIA, uma associação para lutar pelos direitos das pessoas portadoras do HIV ou dos doentes com Aids. Betinho dirigiu essa organização por onze anos.

A doença atingiu também sua família: no período de um ano, Betinho perdeu dois irmãos vítimas da Aids. A maneira de lidar com a doença foi falar sobre ela. Herbert de Souza iniciou uma grande campanha nos meios de comunicação para esclarecer as pessoas sobre a doença.

Em 1992, Betinho liderou o movimento pela Ética na Política, que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor, em setembro do mesmo ano. Esse movimento plantou os alicerces do movimento Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. A partir da participação de Betinho, o problema da fome e da miséria tornou-se visível e concreto para todos os brasileiros.

Herbert de Souza abriu várias frentes de trabalho, principalmente no seu relacionamento com a mídia. Em 1993, foi considerado "homem de idéias do ano", pelo Jornal do Brasil.

Depois de muito lutar contra a doença, Betinho faleceu em 09 de agosto de 1997, aos 61 anos, em sua casa, no bairro do Botafogo.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

DAVID E GOLIAS

A propósito do atual dilema americano, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que pela primeira vez em muito tempo não havia um abismo tão grande entre poder, economia e sociedade. Pode parecer banal, mas não é: nos Estados Unidos, o “ideal americano” dava solidez para um caminho em comum para o país. Havia tensões, tendências mais progressistas chocavam-se com outras mais conservadoras, o grande business sempre quis controlar mais de perto o governo, os governos ora se inclinavam para atender aos reclamos das maiorias ora assumiam a cara mais circunspecta de quem ouve as ponderações da ordem, da econômica em primeiro lugar. Mas, bem ou mal, liberdade, democracia, prosperidade e ação pública caminhavam mais ou menos em conjunto.


E agora, poderia perguntar perplexa a secretária de Estado? Agora, digo eu, parece que as classes médias e os mais pobres querem gasto público maior e emprego mais abundante, os conservadores querem ortodoxia fiscal sem aumento de impostos, os muito ricos pouco se incomodam com o gasto social reduzido, desde que a propriedade de cada um continue intocável. No meio de tudo isso, a crise provocada pelo cassino financeiro surgiu como um terremoto. Logo depois, veio o marasmo da semiestagnação e, pior ainda, se desenha o que há pouco era impensável, a moratória do país mais rico do mundo! Por trás da peleja econômica corre a outra, mais profunda, a do poder: o Tea Party – os ultrarreacionários do Partido Republicano – levaram o governo Obama às cordas. A agenda política, mesmo depois de “resolvida” a questão do endividamento, passou a ser ditada por eles: onde e quanto cortar mais no orçamento de um país que clama por muletas para reavivar a economia.


Na Europa as coisas não andam melhores. Cada solavanco da economia americana aumenta o contágio, esta doença internética: as taxas de juros cobrados dos países ultraendividados vão para as nuvens. A rua se agita, não faltam movimentos dos “indignados” que veem o povo sofrer as agruras do desemprego e da desesperança e ainda ser cobrado para que as contas se ajustem. E, naturalmente, como nos Estados Unidos, os que mais têm e os que mais especularam ou esbanjaram (inclusive governantes imprevidentes) balançam a poeira e querem dar a volta por cima. Esperam que mais aperto, mais rigidez no gasto público e menos salários resolvam o impasse. Não se estão dando conta de que a cada xis meses uma nova tormenta balança os equilíbrios instáveis alcançados. É como se daqui a 30 anos os historiadores olhassem para trás e dissessem: “Ah, bom, a Grande Crise dos Derivativos começou em 2007/2008, foi mudando de cara, mas prosseguiu até que novas formas de produzir e de distribuir o poder começaram a dar sinais de vida lá por 2015/2020...


E nós aqui nesta periferia gloriosa a quantas andamos? Longe do olho do furacão cantamos glória pelo que fizemos, pelo que de errado os outros fizeram e pelo que não fizemos, mas, pensamos, pouco importa, o vendaval do mundo varreu a riqueza de uma parte do globo para outra e nos beneficiou. Será que é assim mesmo? Será que a proeza de evitar as ondas do tsunami impede que a malignidade do resto do mundo nos alcance? Tenho minhas dúvidas. Falta-nos, como impuseram os reacionários americanos a Obama, uma agenda, mas que seja nova e não a desgastada do “clube do chá” americano. A nova agenda existe, está exposta cotidianamente pela mídia e não é propriedade de um partido ou de um governo. Mas onde está a argamassa, como o antigo ideal americano, para conter as divergências, o choque de interesses, e guiar-nos para um patamar mais seguro, mais próspero e mais coeso como nação?


Mal comparando, a presidenta Dilma está aprisionada em um dilema do gênero daquele que agarrou Obama. Só que, se no caso americano a crise apareceu como econômica para depois se tornar política, em nosso caso ela surgiu como política, mas poderá se tornar econômica. Explico-me: a presidenta é herdeira de um sistema, como dizíamos no período do autoritarismo militar. Este funciona solidificando interesses do grande capital, das estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos e de um conjunto desordenado de atores políticos que passaram a se legitimar como se expressassem um presidencialismo de coalizão no qual troca-se governabilidade por favores, cargos e tudo mais que se junta a isso.


Esta tendência não é nova. Ela foi-se constituindo à medida em que o capitalismo burocrático (ou de estado, ou como se o queira qualificar) amealhou apoios amplos entre sindicalistas, funcionários e empresários sedentos por contratos e passou a conviver com o capitalismo de mercado, mais competitivo. Na onda do crescimento econômico as acomodações foram se tornando mais fáceis, tanto entre interesses econômicos quanto políticos (incluindo-se neles os “fisiológicos” e a corrupção). No início parecia fenômeno normal das épocas de prosperidade capitalista que seria passageiro. Pouco a pouco se foi vendo que era mais do que isso: cada parte do sistema precisa da outra para funcionar e o próprio sistema necessita da anuência dos cooptáveis pelas bolsas e empregos de baixo salários e precisa de símbolos e de voz. Esta veio com o “predestinado”: o lulismo anestesiou qualquer crítica não só ao sistema mas a suas partes constitutivas.


É neste ponto que o bicho pega. A presidenta é menos leniente com certas práticas condenáveis do sistema. Entretanto, quando começa a fazer uma faxina quebram-se as peças da engrenagem toda. Sem leniências e cumplicidades entre as várias partes, como obter apoios para a agenda necessária à modernização do país? E sem ela, como fazer frente à concorrência da China, à relativa desindustrialização, ou melhor, “desprodutividade” da economia e como arbitrar entre interesses legítimos ou não dos que precisam de mais apoio do governo, advenham eles de setores populares ou empresariais? É cedo para prever o curso dessa história, que apenas começa. Mas não há dúvidas que para se desfazer da herança recebida será preciso não só “vontade política” como, o que é tão difícil quanto, refazer os sistemas de alianças. É luta para Davis e, no caso, Golias é pai de Davi.


(Fernando Henrique Cardoso)

TCM INAUGURA NOVA SEDE


Em ato dos mais concorridos, o presidente do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), Manuel Veras, inaugurou, nesta manhã de segunda-feira, a nova sede do órgão.


Resultado de um investimento da ordem de R$ 13 milhões e com duração de um ano e meio de obras, conta com 7.800 metros quadrado, amplos gabinetes e um auditório enorme que, no entanto, se tornou pequeno para tantas autoridades, prefeitos, parlamentares e dirigentes de instituições federais, estaduais e municipais e organismos da sociedade civil.


Manuel Veras, em discurso, destacou que o projeto foi iniciado pelo ex-presidente do TCM, Ernesto Saboya, mas não se esqueceu de enumerar alguns adendos ao equipamento e que vieram em sua gestão.


Quem encerrou o ato foi o governador Cid Gomes (PSB) com discurso lembrando seu pai, o falecido José Euclides que, quando prefeito de Sobral, destaca sempe o papel fiscalizador do TCM. Cid aproveitou para garantir total apoio às ações do tribunal e lembrou que é fundamental o respeito à coisa pública.



Blog do Eliomar

ELLEN GRACIE, A SUPREMA ELEGÂNCIA DO SUPREMO, FAZ JUS AO "OTIUM CUM DIGNITATE" (ÓCIO COM DIGNIDADE)


Decreto publicado no Diário Oficial da União de hoje, 8, concede aposentadoria a ministra Ellen Gracie Northfleet, do STF.

Veja abaixo a íntegra do decreto.

_________

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

DECRETO DE 5 DE AGOSTO DE 2011

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, de acordo com os arts. 84, inciso XIV, e 101, parágrafo único, da Constituição, e 3º da Emenda Constitucional no 47, de 5 de julho de 2005, e tendo em vista o que consta do Processo no 08025.000719/2011-35, do Ministério da Justiça, resolve

CONCEDER APOSENTADORIA

a ELLEN GRACIE NORTHFLEET, no cargo de Ministra do Supremo Tribunal Federal.

Brasília, 5 de agosto de 2011; 190º da Independência e 123º da República.

DILMA ROUSSEFF

José Eduardo Cardozo

domingo, 7 de agosto de 2011

A PRAÇA DA ESTAÇÃO E SEUS COGNOMES OU CACIQUISMO NA “ PÓLIS DOS CONFINS”



Vira e mexe Ruas e Praças de nossas Cidades são rebatizadas conforme interesse e vontade de nossos Caciques. Um Quinhão ou Meia Dúzia de Votos são suficientes para que se mande às cucuias memórias, saberes e histórias de um Povo.

Manoel Bandeira, o velho Bardo de humor galhofeiro, no Poema “Evocação do Recife”, expressa muito nitidamente e com pesar essa prática espúria:

“Rua da União...

Como eram lindos os nomes das Ruas da minha infância

Rua do Sol

(Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)

Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...”

Não me parece excessivo condenar práticas desta natureza como atos de má-fé, de insanidade ou oportunismo eleitoureiro. Mas creio que nisso não há nenhuma novidade. “Não há virtude que acompanhe a falsidade e a verdade jamais será objeto de terror”.¹ Quanto à estética, povo e poetas, uma vez que comem do mesmo pirão, descem igualmente em silêncio pelo mesmíssimo ralo... era uma vez...

A exemplo da Taba do Poeta citado, aqui na Amada, muitas são as Ruas e Logradouros também poeticamente batizadas e batizados pelo gosto e sabedoria da baixa-casta. Os que aqui lembro sobrevivem ao tempo e vontade da Pajelança: Rua do Rabo da Gata (não há moto-taxista que não conheça); Rua da Cruz; Praça do Barrocão (como é mesmo o pseudo nome verdadeiro?); Bairro das Priquitinhas (eternamente inesquecível); Bairro da Ilha; Ilha das Cobras; Rua do Beijú; Beco da Galinha Morta; Rua do Meio (eita!); Beco da Cachaça (eita também!)... e, enfim, nossa adorável Praça da Estação... Ali, onde um dia, de madrugada, tropas da Coluna Prestes trocaram tiros com as forças legalistas.

Praça da Estação, sim senhor, que, ao gosto dos Caciques da vez, muda de nome como cobra muda de roupa...

Um dia fixaram uma placa no prédio da Cia. Ferroviária onde se lia PRAÇA PRESIDENTE CASTELO BRANCO. Nunquinha, em meu atribulado meio século de peregrinação, ouvi algum cristão se referir à dileta Praça pelo nome do Excelentíssimo Ditador...

Reforma feita (quem lá criva um prego se acha no direito de rebatizá-la), Novo Nome: ANTONIO ACELINO; homenagem ao papai de antiga Mandachuva da Centenária Gleba. Graças, porém, ( e a Deus) a umas luminárias de vidro em forma esférica sustentadas por esguios postes de metal (que fez parte desta nova ornamentação), foi graciosamente batizada pela festiva Indiada por PRAÇA DOS PIRULITOS. Caiu no gosto da Taba, não porém, no paladar dos “Home Sérios”, que não tiravam proveito algum desta doce e simpática alcunha. Às vezes, contrariando o dito, e felizmente, não é tão fácil tirar o doce de uma criancinha. Os Pirulitos se foram... o gosto persiste no paladar...

Recentemente, após novíssima reforma, a mais novíssima de todas, onde Árvores, Gramas e um belíssimo Caramanchão viraram pó (estavam no meio do caminho do projeto), a velha Praça (da Estação, Castelo Branco, Antonio Acelino ou Pirulitos?) é uma vez mais levada à pia batismal.

Este Novo Batismo traz, porém, inusitada e esdrúxula singularidade – o de ser Plural. A Praça, que até então, sabíamos uminha só, agora são Três. Logo, Três são suas Graças². Se admirem não, amigos e amigas, que aqui Nos Confins tudo é “pussive”!...

A primeira Praça começa onde o Obelisco projetado pelo arquiteto comunista Oscar Niemeyer homenageia a passagem da Coluna Prestes pela Amada Taba. É a Praça Dom Antonio Batista Fragoso – Profeta que daqui de nosso Sertão levantou seu cajado contra toda sorte de injustiças que assola a humanidade. Humilde filho de Deus digno da lembrança e carinho de quem o conheceu. Principalmente daqueles que tiveram, assim como eu, o privilégio de com ele caminhar pelos “Porões da Humanidade”. Mas não creio que seja justo homenageá-lo com alguns metros de uma árida Praça que em nada lembra a doçura e generosidade de Seu Iluminado Ser...

Dois passos adiante, rumo ao Teatro Rosa Moraes, uma estátua em bronze sobre base de granito anuncia novo logradouro – a PRAÇA NEWTON GENTIL CARDOSO LINHARES. Deste homenageado sabe-se que foi um dos mais rico e avarento ser humano a pisar sobre nosso árduo e generoso solo. As anedotas sobre suas façanhas na “Arte de Economizar” são abundantes e emblemáticas. Seus netos e familiares souberam multiplicar suas inumeráveis cabeças de gado, suas léguas imensuráveis de terras e seus dobrões de ouro, se é que meia palavra basta...

Caminhemos dois passinhos adiante e, para não dizer que nada é como antes, a PRAÇA ANTONIO ACELINO continua existindo. Da calçada ao lado a filha do homenageado, uma ex-prefeita da Centenária Taba, contempla, todos os dias, o entardecer no Sertão... ao gosto e ritmo de sua cadeira de balanço... e do som pesado do trem de ferro...


1. MONTAIGNE (Do Exercício)

2. É MUITO CACIQUE PRA POUCO ÍNDIO


(Edilson Macedo)